Cabral recebe em Genebra, um dia, a visita de Vinicius de Moraes, que passa uma temporada de trabalho em Paris para escrever o roteiro do filme Arrastão. Vão a um bar e Vinicius, logo, saca seu violão e começa a desfiar suas últimas composições.
Cabral se irrita com o sentimentalismo do amigo. "Me desculpe, Vinicius", interrompe, "mas por que todas as tuas músicas falam de coração. Será que você não tem outra víscera para cantar?" Vinicius de Moraes, como sempre, não perde a pose: "Pois é João, você continua o mesmo nordestino seco. Mas, um dia, ainda hei de colocar música em um desses teus poemas de cabra", ameaça. A praga jamais foi cumprida.
Chico Buarque de Hollanda só consegue musicar Morte e Vida Severina porque o faz sem que Cabral o saiba. Só depois de ter a melodia pronta, o jovem Chico a exibe ao poeta. "Se ele tivesse me pedido autorização antes", Cabral confessa depois, "eu teria respondido: 'Nem tente'."
In José Castello. João Cabral de Melo Neto: O homem sem Alma & Diário de Tudo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
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