quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Na hierarquia dos eventos mais bizarros de que a raça humana é capaz, as festas de final de ano "na firma" só perdem para a colação de grau.

Tá aqui o excelente texto de Renato Cabral – roteirista e redator; ruminante e criador, que comprova perfeitamente essa grande verdade!

"A passagem do homem pela Terra está repleta de surpresas. Nem sempre agradáveis, não há dúvidas. Para chegarmos até aqui, tivemos que colocar a serviço da vida toda a criatividade e senso de sobrevivência que herdamos de nossos ancestrais, desde que eles eram amebas fedorentas. Mas parece que agora a coisa toda extrapolou o bom senso e perdemos de vez o senso do ridículo. A consequência disso são as festas de fim de ano.

Na hierarquia dos eventos mais bizarros de que a raça humana é capaz, o “Amigo Oculto” só perde para a colação de grau. Quando é feita na empresa, a coisa tende a ser pior. Numa agência então o grau de nocividade alcança níveis que legitimariam uma quarentena no quarteirão. E todo esse mal-estar começa com aquela velha psicóloga do RH, que na verdade se formou em Letras e que gravou um LP de sucesso na década de 80 sobre uma bailarina perneta que se apaixona por um estivador do porto de Santos.

Ela organiza a farra há 12 anos e nos dias que precedem a festa, gasta, em média, cinco horas de sua estafante jornada para fazer os preparativos: pegar os R$ 5 da turma para o salgadinho; mandar e-mails internos diagramados pelo diretor de arte com aquela sacadinha no título manjada pelo redator. O problema é que, pelo hábito, ela pega o JPG e enfia num Power Point gigante com uma música de Natal.


Para o desgosto do dono da agência, há ainda as impressões contínuas de folhas A4 no módulo perfeito para fazer o “Faltam 3 dias”.Ela ainda recorta, escreve e tira os nomes de todos na agência, para depois recolher tudo de volta e refazer o trabalho, pois um tal de Hamilton, arte finalista, saiu do quadro de funcionários e ela não atualizou o Excel. É provável que ela ainda repita o processo mais uma vez devido às amigas do atendimento, que pediram para saírem com o diretor de criação ou por causa dos tarados da mídia, que ofereceram dinheiro a ela para saírem com a estagiária gostosa da redação.

Depois da moda do R$ 1,99, tudo ficou mais fácil, pois acabaram as desavenças e as conversas pós-revelação. Antigamente o sujeito ganhava um CD original do U2 e dava um par de Havaianas. O 1,99 exime o ser humano de qualquer culpa. Você pode ganhar desde um CD do U2 até um par de Havaianas, mas saberá que custaram o mesmo preço.

E chega o grande dia. O diretor de criação, naturalmente, se sente impelido a dar início ao show de horrores. Ele se levanta, os puxa-sacos (diretores de arte na sua maioria) ainda tentam em vão fazer o grupinho que está tuitando parar, e começa a fazer suas explanações. Diz coisas sobre a importância do trabalho em grupo, cita os valores da agência, relembra os segundos lugares nos prêmios nacionais e chega ao absurdo de criar uma analogia ente o “Amigo Oculto” e a importância de se valorizar o atendimento full service da agência pra agregar valor ao negócio e à marca. Enquanto ele fala, aquele cara mais desavisado corre para a sala ao lado e rouba um daqueles anjinhos de gesso da escrivaninha da secretária. Esqueceu de comprar o presente. Embrulha na Folha de São Paulo mesmo e tá valendo.



Todos, sem exceção, começam suas falas com: “o meu amigo… gente, eu vou falar que é amigo, mas pode ser homem ou mulher, viu?”. É que o Amigo Oculto faz com que até criativos fiquem com QI na média das leguminosas. E nisso tem início um previsível incômodo. Há fofocas pelos cantos. A Tereza, do financeiro, que está morando em república e pediu na lista utensílios para a sua despensa, ganhou um porta-retrato e está revoltada. E tem sempre, claro, os redatores engraçadinhos, que ficam o tempo todo fazendo brincadeirinhas, trocadilhos e macaquices durante as longas e enfadonhas revelações.



Enfim, o gran finale, o momento derradeiro onde toda a humanidade é esquecida e qualquer referência à postura, índole, cortesia, ou status dentro da hierarquia são apenas falácias vazias de um mundo civilizado já esquecido. É a hora em que o salgadinho está liberado. Nisso, é possível ver até diretor de criação se acotovelando com as meninas do café em busca de uma coxinha e um pouco de refrigerante. Sem contar a Cláudia, da recepção, tentando em vão fazer o seu pratinho e guardar um pouco de salgadinho pro vigia. Pára, eu quero descer!



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