quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Cora e os Barbantes! Amarrando lindas histórias!!

Antes que as sacolas plásticas tomassem de assalto o mercado, os lixões, as ruas e cada metro quadrado de território onde a mão do homem algum dia pôs o pé, as mercadorias do nosso dia-a-dia eram embrulhadas em papel. No açougue e nas peixarias usavam-se jornais, e ao que eu saiba ninguém jamais passou mal por causa da tinta, suposta razão pela qual eles perderam essa sobrevida; nas mercearias usava-se um papel cinza ou rosa, bastante grosseiro, que vinha em bobinas.




O papel das padarias tinha qualidade um pouco melhor, ou pelo menos assim me registra a memória: era o famoso papel de pão, que socorreu muita gente na hora de anotar um número de telefone às pressas. É o papel com que até hoje se fazem os saquinhos de papel.

Os embrulhos eram terminados com barbante. Nas mercearias e nas lojas de ferragens, por exemplo, havia verdadeiros especialistas em empacotamento, que não só amarravam o pacote muito bem amarradinho, como criavam, com o barbante, uma alça para que pudesse ser carregado. Lembro dos meus pais chegando em casa com esses embrulhos: um pedaço de queijo, biscoitos, alguma guloseima irresistível da Lidador.

Como vivia-se num outro mundo, ninguém jamais cortava o barbante de um embrulho. A graça era ganhar do barbante, desfazendo as suas voltas e os nós – quanto mais complicado, melhor. E tínhamos, naturalmente, uma lata para guardá-los. Usava-se muito barbante lá em casa, sobretudo para a correspondência do meu Pai, que vivia mandando livros para os amigos espalhados pelo planeta.

As embalagens dos livros não podiam ser fechadas com cola, e volta e meia os serviços das crianças eram solicitados para a finalização dos embrulhos: enquanto uma criança segurava o meio do barbante com a ponta do dedo, um adulto se encarregava de dar o último nó. Depois disso, o livro estava pronto para seguir caminho.

Não vejo mais ninguém usando barbante para fazer embrulhos. Não entendo como uma coisa tão útil desapareceu tão rápida e completamente. Quando me mudei, ganhei da Mamãe um rolo de barbante, porque nenhuma casa podia ser chamada de lar se não tivesse um; pois passaram-se vinte anos, e o rolo de barbante continua intacto dentro do armário.


– Você usa barbante? – perguntei para a Laura.


– Sim, para fazer bife rolê Paris.

– Mais alguma coisa?

Longa pausa.

– Não.

Fiz a mesma pergunta para a Vanessa, a Bia, a Manoela. Vanessa, como a Laura, usa só para amarrar bifes; Bia usa de vez em quando para os balões das crianças; Manoela usou para pendurar uns saquinhos de tempero num gancho da cozinha.

Eu não me lembro mais de quando foi a última vez que usei barbante, mas essa semana mesmo recebi livros da Índia, que vieram amarrados com barbante, tal qual os pacotes que Papai enviava pelo mundo.

Na mão inversa dos jornais embrulhando a carne e o peixe estão os insuportáveis saquinhos de sal e palitos. O que é que havia de errado com os saleiros e os paliteiros? Por que somos obrigados a usar essas coisas supostamente higienizadas, pasteurizadas, descaracterizadas? Quem é que consegue salgar o que quer que seja usando sal em saquinho?!


Há uma crença geral de que tais embalagens são produzidas por parentes de políticos, que estariam ganhando milhões com essa besteira. É uma teoria da conspiração tupiniquim e miudinha, mas não deixa de ter a sua lógica.




Por falar em barbantes: e as orquídeas amarradas nas árvores? Existe coisa mais bonita? Um prédio compete com o outro para ver quem tem as flores mais vistosas. É uma das poucas coisas em que progredimos visivelmente: todos adoram as flores e todos as deixam em paz. Acompanhei um casal de turistas que parava a cada nova árvore para fazer mais uma foto:


– Are they real orchids?
– Sim, são orquídeas de verdade, mais autênticas impossível.

O Rio (também) tem dessas coisas.





E a crônica rendeu histórias emocionantes:

Escrever crônica é, como disse alguém de que não me lembro a respeito de algo que me escapa à memória, uma caixinha de surpresas. Às vezes, a gente puxa um tema complexo imaginando que vai dar panos para as mangas, e os leitores passam batido; e às vezes, a gente puxa o fio de um tema singelo e recebe uma resposta extraordinária. Foi o que me aconteceu semana passada quando falei de coisas simples meio desaparecidas das nossas vidas, como barbante e papel de pão. Sem querer, fui parar numa área de lembranças bem embrulhadinhas que, de repente, saíram da toca.


“Sua crônica me lembrou de uma passagem muito bem guardada da minha infância, — escreveu a Monica Langer. — Eu tinha uns nove anos quando fui pra Salvador pela primeira vez. Minha mãe e eu fomos de ônibus numa viagem que durou milhares de horas para a paciência de alguém com a idade que eu tinha. A gente se hospedou na casa de uma família muito simples, quase pobres de conforto, mas riquíssimos de vida. A mãe da casa juntava papel de embrulho de pão da padaria. Passava as folhas a ferro, recortava bem direitinho e fazia cadernos para as filhas usarem na escola. Eu achei aquilo muito impressionante. Eu tinha uma vida de menininha rica, minha pasta da escola tinha vindo da Suíça, meus cadernos eram bonitos, de capa dura. As filhas eram excelentes alunas e eu, muito mais ou menos. O banheiro da casa era no jardim e eu demorei uns três dias pra conseguir usá-lo… A casa era uma alegria só, e as férias foram ótimas. Na volta, não reclamei de nada durante a viagem. Minha mãe sabia das coisas.”




Não foi a única lembrança do papel de pão servindo para a confecção de cadernos, uma utilidade que, confesso, desconhecia:

“Lembro-me ainda da época da Escola Pública, em que a professora residia na própria casa onde a escola funcionava, ocupando duas salas, — escreveu o Igor Victorio Bello Quintella. — A saudosa D. Marieta Monteiro da Silva, que ensinava as primeiras letras, guardava folhas de papel de pão, passava-as a ferro quente, cortava-as em tamanho próprio e as encadernava costurando-as em sua máquina de costura de pedal, confeccionando assim cadernos para os alunos que não tinham condição de adquirir os que eram vendidos nas papelarias. Era educadora de verdade!

De barbantes, tenho uma recordação engraçada. Quando cursava faculdade de Direito fora de minha cidade e tinha que viajar todo dia para assistir as aulas, sempre andava com barbantes nos bolsos na época de inverno. É que os ônibus que faziam a linha entre as duas cidades, sempre mal cuidados, já não tinham mais trincos nas janelas. Assim, no retorno para casa, quase que de madrugada, para evitar que a janela próxima ao meu assento abrisse e o vento frio me acordasse, eu a amarrava com barbante.”



“O papel de pão era usado para absorver gordura de frituras, — lembra a Norma El-Jaick S. Magalhães. — Não havia toalhas absorventes industrializadas. Há 22 anos, vim do Rio para Rio das Ostras com um rolo de barbante de algodão para usar em rosbifes. Terminado aqui, comprei outro que está quase intacto. Senti saudades dos embrulhos que papai fazia com eles e papel de rolo em seu comércio. Quanto capricho… Sal, antigamente vinha em saquinhos de pano que nós, libaneses, aproveitávamos para escorrer a coalhada úmida para ficar seca. Vovó também cobria com eles as uvas das parreiras em casa em Friburgo, para que passarinhos não as bicassem. Até hoje nunca tive um saleiro que funcionasse. O único bom é o da Cisne, aquele que se compra em mercados com feitio de ovinhos, femininos de chapéu e masculinos de boné.”

Concordo inteiramente em relação aos simpáticos saleirinhos da Cisne. Só acho que deve haver um segredo qualquer em relação ao sal dos ovinhos, porque tentei reaproveitar um com sal comum, e ele logo deixou de funcionar. Em relação ao sal em saquinhos, aliás, uma amiga que vive há tempos na Itália deu conta de que a praga é universal:

“Bom, se é um consolo, aqui na Europa sal, pimenta, açúcar e adoçante também vêm obrigatoriamente nos sachês. Estamos tão acostumados que compramos sachês de açúcar até para usar em casa.”

Ainda em relação aos barbantes, muitos leitores lembraram de jogos infantis, como o tradicionalíssimo cama-de-gato; outros observaram que não há nada melhor do que barbante para amarrar as orquídeas em árvores, pois o barbante não machuca nem as árvores nem as orquídeas, ao contrário do arame, e apodrece e cai exatamente quando a flor já se fixou ao tronco. O uso mais curioso para o barbante, porém, foi relatado pela Mara Coeli:



“Trata-se de uma “simpatia” que deve ser usada quando a pessoa sente cãimbras. Meus avós maternos usavam, e os filhos seguem o mesmo caminho. Faz-se assim: amarra-se com alguma folga um pedaço de barbante de algodão (só serve de fibra natural) no membro afetado pela cãimbra. Após alguns minutos, a cãimbra cede. A médica da minha mãe não acreditava no poder curativo do barbante. Dizia não haver fundamento científico. E a minha mãe retrucava que simpatia não precisa de comprovação científica, e que a cãimbra passava.”

Enfim, quem resumiu tudo muito bem foi o Hilton de Abreu Marinho:

“Quanta coisa útil, ecológica e barata foi esquecida em 50 anos e substituída pelas “coisas modernas” que estão destruindo o planeta…!!!”



Fonte: http://cronai.wordpress.com/

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