sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A Nova Nova York - por Tânia Menai

A Nova Nova York

Dez anos depois da queda das torres, a cidade dá a volta por cima. Bairros remodelados, novos hotéis, restaurantes, museus. TANIA MENAI mostra o melhor dessa York eternamente in progress



O escritor e jornalista E.B.White (1899-1985) autor do belíssimo ensaio “Aqui é Nova York”, escrito em 1948, foi quem melhor definiu o DNA da cidade que nunca dorme. Seu olho clínico captou meticulosa e poeticamente o tipo de personagens que circulam por aqui, o ritmo frenético que atrai ou expele moradores e a delícia do anonimato que se tem nesta ilha. White dividiu-a em três: a primeira é dos nativos, que acham todo este agito normal e não dão `a ela valor que Nova York merece. A segunda é daqueles que moram nas cidades ao redor, chegam de manhã para trabalhar e “são cuspidos como gafanhotos” ao fim do dia. E a terceira é daqueles que vieram de algum outro canto do país ou do mudo e fizeram de Nova York seu destino final. Para White, a terceira é a melhor. A cidade do destino final. Só mesmo estes apaixonados moradores, como eu, são capazes de trocar uma casa de proporções humanas, um chinelo sujo de areia e água-de-côco, por um apartamento tamanho-armário, uma competição absurda e espírito do faça-você-mesmo. Tudo isso, para sair na rua e dar de cara com o Metropolitan Museum, analisar a diversidade no metrô ou topar com um saxofonista entoando Garota de Ipanema no Central Park. Talvez cidade nenhuma no mundo faça um visitante sentir-se tão em casa, mesclado na multidão: seu sotaque, seu turbante ou camisa do Corinthians não choca ninguém – pelo contrario: essa festa é muito bem-vinda. Como se diz aqui: só em Nova York.



Há dez anos, a cidade de White foi machucada física e emocionalmente por um dos maiores ataques terroristas da história. No entanto, como você verá nesta matéria, uma década mais tarde, Nova York já se levantou, sacudiu a poeira (e, olha, foi muita!) e deu a volta por cima. Aquela ensolarada terça-feira de setembro dispensa apresentações. Mas vamos lembrar que em 11 de setembro de 2001 dois aviões acertaram em cheio as torres gêmeas, antes das 10 da manhã, tirando a vida de 2,749 pessoas, entre eles 343 bombeiros. O som das ruas eram de sirenes, o rosto das pessoas de espanto. As torres, como todas as outras de Manhattan, eram de Babel: os sobrenomes dos mortos variam de Ogawa a Mouchinski. Quatro eram brasileiros: Sandra, Ivan, Nilton e Anne Marie. Você, leitor, sabe exatamente aonde estava e o que fazia quando soube do atentado. Eu? Acordei com um telefonema do meu amigo Joaquim, alertando-me para ligar a televisão. Rapidamente, meu apartamento que tinha um tamanho de uma gaiola, virou um bunker de jornalistas e amigos que não tinham como voltar para casa. Passei a noite no Saint Vincent Hospital, no West Village, testemunhando, como jornalista, a solidariedade e organização dos nova-iorquinos em ajudar os médicos, com água, comida e doação de sangue. Parecia que a cidade havia ensaiado para aquilo. A tragédia foi assistida ao vivo por 100 milhões de telespectadores pelo mundo, além dos 100 mil que viram as torres desabarem a olho nu. Nas semanas seguintes, não se vendia mais as tradicionais camisetas “I Love New York”; lia-se nelas “I Love New York. More than Ever”.



A eterna cicatriz deixada por 1, 7 milhão de toneladas de entulho serve como lembrança dos mortos e de uma nova era. A boa notícia, no entanto, é fiel ao velho ditado americano: o que não nos mata, deixa-nos mais forte. E é assim que está a cidade de E.B. White, de Frank Sinatra, do Super Homem, dos Caça Fantasmas, do Seinfeld, de Carrie Bradshaw e de Marylin Monroe: mais forte e renovada. Diz-se aqui, que “não voltamos ao normal. Adaptamo-nos a um novo normal.” O preço dos imóveis não caíram. Pelo contrário. Restaurantes novos, teatros restaurados, ruas redescobertas e hotéis descolados são o melhor exemplo de que a turma de Osama Bin Laden acertou no alvo, mas errou no objetivo. As torres caíram, mas a moral, jamais.

A região afetada pelos ataques – Battery Park City e TriBeCa – ficaram parcialmente desativadas por vários meses; além de insalubre, aquelas quadras eram sinônimo de tristeza, lembro bem. Mas organizações como a Lower Manhattan Development Corporation trataram de revitalizar a área e hoje pode-se dizer que ambos bairros estão melhores do que eram no ano 2000. TriBeCa ganhou seu festival anual de cinema, organizado por Robet DeNiro (justamente para levantar a auto-estima local) e continua a atrair arquitetos em suas lojas de decoração, incluindo o showroom de móveis brasileiros, Espasso. Battery Park City não pára de atrair imobiliárias; sem falar nos prédio novos do World Trade Center, alguns já em funcionamento. A estação de trem, que ficava no próprio complexo das torres, ligando Nova York a Nova Jersey, foi reaberta em novembro de 2003 assinada pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava. O auge da vitalidade pode ser simbolizada pela recente abertura de uma filial do Shake Shack, o hamburger mais amado da cidade, famoso pela qualidade, e, sim, pelas filas. `A beira da água, no Rio Hudson, o gramado é a praia dos locais. Toda a beira do rio foi revitalizada, incluindo uma ciclovia que dá a volta em Manhattan.



O Lower East Side também foi contagiado pela onda do renascimento: hoje, se hospedar no Hotel on Rivington ou jantar no Falai ou no W-50 é sinônimo de moda. O bairro também esconde uma das pérolas de Nova York: o Tenement Museum, cujas visitas guiadas de uma hora contam a história de imigrantes alemães, irlandeses, italianos e judeus da virada do século passado. O programa tem atraído tanta gente, que o escritório e loja do museu se muda este mês (setembro) para um espaço maior do outro lado da rua, a lendária Orchard Street, hoje pipocada por lojinhas de novos designers e restaurantes como o Little Giant e o Café 88. Já a sorveteria Il Laboratorio del Gelato, sorvete artesanal que mantinha uma loja discreta na rua, faz tanto sucesso que inaugurou a segunda loja no bairro em julho passado – em frente `a tradicional Katz’s Deli - com muito espaço e 48 sabores. Um pouco acima, a Bowery Street, no East Village, também está de roupa nova. O nome, acredite, vem de bowverij, ou fazenda em holandês – idioma dos primeiros colonizadores da ilha. No século 17, as ovelhas deram lugar `a uma avenida, que chegou a ser uma das mais badaladas da cidade, endereço inclusive da finada casa de rock CBGB, aberta na década de 70 e fechada em 2006. Por anos, no entanto, The Bowery, como é chamada, caiu no esquecimento; ainda hoje, de bela a rua não tem nada. Ainda assim, nos últimos anos ela passou a abrigar endereços disputados como o New Museum, o restaurante Gemma, no Bowery Hotel, a pizzaria Pulino’s e o DBGB, novo empreendimento do chef Daniel Boulud, no lugar do CBGB. Todos abertos nos últimos três anos.


Eis também um projeto que me emociona: o High Line: um antigo trilho elevado de trem, inaugurado em 1934 e desativado em 1980, e em 2009 transformado num jardim suspenso cuidadosamente projetados por paisagistas e designers de ponta. O passeio começa (ou termina) na rua 20 e se estende até a Ganservoort Street, no Meatpacking District, um bairro historicamente industrial, que ficou famoso pela quantidade de açougues, mas que hoje abriga uma Apple Store, restaurantes a la Sex and the City, além de uma filial da aclamada cadeia belga Le Pain Quotidien, e lojas de designers como Carlos Miele, Alexander McQueen e Stella McCartney, e dois hotéis sinônimos de balada: o Gransevoort e o Standard. Em 2015, esta ponta sul do High Line ganhará um vizinho especial: a nova filial do Whitney Museum, museu dedicado `a arte dos Estados Unidos, que funciona hoje no tradicional bairro Upper East Side. O novo prédio do Whitney foi desenhado pelo arquiteto italiano Renzo Piano, mestre da luz e da leveza; o projeto inclui cafés, biblioteca, espaço educacional, salas para obras gigantes e o máximo de tetos e paredes em vidro, uma delas de frente para as águas do Hudson. Em tempo, vale lembrar que o respeitadíssimo Piano, criador do prédio Georges Pompidou , que abriga o museu de arte moderna de Paris, também arquitetou o prédio do New York Times, erguido em 2006, na Oitava Avenida, e a reforma da Morgan Library, na Avenida Madison com rua 37.



Acima do Meatpacking District, fica Chelsea, que abriga a charmosa Chelsea Market (onde, entre muffins e pães, fica também o escritório do Google), e as galerias de arte, que representam artistas que vão de Vik Muniz a Pablo Picasso. O passeio das artes começa na altura da Décima Avenida com a rua 20 e vai até a rua 26. Vale zig-zaguear por lá e não se intimidar: os prédios daquelas quadras escondem arte de outro mundo em todos os andares. Andando para leste, está o Flatiron District e o Gramercy Park, hoje destino dos gourmands. Comecemos pelo Eataly, megacomplexo de cinco mil metros quadrados, aberto há um ano na esquina da rua 23 com Quinta Avenida, que reúne o melhor da gastronomia italiana e que respeitam a filosofia “slow food”: os produtos são artesanais e vindos por fazendeiros locais. No topo do prédio, festa: ali fica a Bierria, onde a cerveja é produzida e consumida in loco. Já o Maialino, também italiano, foi inaugurado em 2009 no renovado Gramercy Hotel, um dos mais refinados da cidade. O Maialino pertence ao grupo de Danny Meyer, o melhor restauranteur da cidade, adorado pelos locais pela qualidade dos pratos e pela hospitalidade, sempre impecável.



Bien sûre, a Times Square também entrou para dança: uma audaciosa obra de urbanismo transformou parte da Sétima Avenida em calçada para pedestres, com direito a mesinhas e cadeirinhas. O mesmo aconteceu na parte sul da Columbus Circle, onde a sorveteria italiana Grom foi feliz em abrir uma filial, onde fica o imponente Time Warner Center, também inaugurado depois de 2001. Ali, o deslumbre são as lojas, as casa de espetáculo Jazz at Lincoln Center, a sede nova-iorquina da CNN e o hotel Mandarim Oriental. Também come-se bem por lá: o Per Se (cozinha americana) e o Masa (japonesa) alimentam bocas que podem pagar 500 por refeição. E para as bocas de mortais, há o Bouchon Bakery e o Whole Foods, ambos com qualidade impecável. Continuemos mais três quadras para cima e, vois lá, o Lincoln Center de cara nova: nova fonte de água, escadaria iluminada, e o Alice Tully Hall, onde acontece, entre outras coisas o New York Film Festival, não só ganhou um prédio novo em folha (depois de dois anos e 159 milhões de dólares), como virou ponto de encontro para um bom vinho de fim de tarde. A parte chata, no entanto, existe. Bem em frente ao Lincoln Center, uma livraria Barnes & Noble de cinco andares deixou de existir, dando espaço a uma Century 21, loja de barganhas para consumidores desenfreados. Não, eu não troco uma tarde no café da livraria em boa companhia por uma bolsa de 5,99 dólares. Mas, como a cidade é democrática, há quem troque. E ainda bem que é assim!
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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