sábado, 21 de janeiro de 2012

Um pais branco, esquálido e sem historia. Por Bruno Astuto.




A imprensa estrangeira que veio cobrir a semana de moda do Rio deve ter saído dos nossos desfiles com essa impressão. Na passarela, nada das famosas curvas das Giseles, que nos anos 2000 romperam o padrão reinante de “heroin-chic” da década anterior. As modelos estavam magras, magérrimas, pálidas, branquíssimas. E com aquela eterna cara de tristeza, simplesmente andando na passarela, sem enfeitar as roupas que desfilavam, sem serem embelezadas por elas.
Para que uma mulher vai comprar uma roupa senão para ficar mais bonita, mais feliz? A cara de enfado das modelos brasileiras segue, claro, uma tendência internacional dos desfiles europeus e americanos. Só que o tempo deles terminou. Mergulhada numa crise medonha, a Europa volta seus olhos para os mercados emergentes. Nunca tantas grifes estrangeiras abriram tantas lojas no Brasil. E elas não estão aqui atrás dos mesmos erros que fizeram suas economias naufragarem como o navio italiano. Elas querem nossa autenticidade, nossa tão falada alegria, nossos consumidores afetivos e fiéis a quem os trata bem. Em breve, elas terão de se adaptar ao jeito único do cliente brasileiro e as vendedoras, de abandonar a postura esnobe que consagrou essas marcas inacessíveis no mundo da moda — outro dia, entrei numa loja da Prada em Nova York e uma vendedora sorriu para mim, juro que é verdade.


E, de repente, convida-se um grupo respeitável de jornalistas estrangeiros especializados em moda para se sentar na primeira fila dos desfiles das marcas brasileiras. A palavra deles é de ouro, muitos compradores confiam nela para pegar um avião, fazer seus pedidos e pendurar as roupas nas araras de suas lojas. Na passarela, tricôs pesados, vestidos assépticos para corpos famélicos, cortes complicadíssimos que nossa pouca experiência jamais poderá igualar aos de seus pares europeus. É uma pena: as grifes que mais vendem no mundo — Chanel, Dior, Louis Vuitton — sempre fazem referência a sua própria história, aos seus códigos, por mais que os temas das coleções mudem.
Com a chegada das marcas estrangeiras ao Brasil (e elas são ricas, anunciam caudalosamente e têm um plano de marketing bem agressivo e estruturado), o grande desafio da moda nacional não é mais a exportação — até porque, como o real alto e os impostos pagos aqui, o preço de nossas roupas chega proibitivo lá fora. A meta é ser competitivo dentro de casa e, para isso, é preciso ser autêntico, revirar nossas raízes, procurar nas profundezas desse país tão rico e complexo algo que faça diferença no mundo.
De todos os desfiles a que assisti até agora, o que mais me chamou atenção foi o do mineiro Victor Dzenk. Victor nunca quis inventar a roda; seu estilo é sempre o mesmo: caftãs coloridos, vestidões estampados, caudas esvoaçantes, tudo ao gosto de uma mulher perua que gosta de ser notada. De coleção em coleção, ele homenageia cidades, estados e países e nunca trai sua cliente, que sabe exatamente o que vai encontrar ali. Pois, nesta temporada, Victor decidiu homenagear o Maranhão e colocou Alcione para cantar no desfile com uma trupe folclórica do boi. Ao final da apresentação, a plateia inteira se levantou, aplaudiu e dançou. Isso é Brasil. Isso não é Europa.


Esperto, esse Victor, que deu um sopro de alegria numa estação fria e sem graça como o inverno. Gostei também de suas modelos, que faziam poses divertidas em frente às câmeras e que jogavam os bracinhos para o alto enquanto Alcione evoluía. Adorei ver as referências às janelas do Maranhão, aos postes franceses de São Luís, à geometria colorida dos trajes dos blocos populares. Tive orgulho da nossa terra, um sentimento bobo e ufanista, mas genuíno. Um jornalista gringo ficou fascinado com aquilo e queria saber tudo sobre Alcione, pois adoraria, disse ele, fazer uma matéria sobre ela.
No último dia de moda no Rio, no entanto, senti vergonha de uma repórter estrangeira que me perguntou por que não havia praticamente nenhum negro na passarela e se o consumidor local deixa de comprar uma roupa se ela não for desfilada por um branco. Uma amiga, que estava ao meu lado, respondeu que essa questão é antiga, que já foi ultradebatida nos anos anteriores e que não adiantou nada, esse tema já estava ultrapassado e saiu de moda.
Acho que, se continuarmos nesse ritmo, quem pode sair de moda a qualquer momento somos nós.
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