domingo, 13 de maio de 2012

"Alô, Dilma! Obama saiu do armário." Texto de Bárbara Gancia. Folha de São Paulo.

 Como na final da Copa de 70, na morte de Lennon e no cho­que na Tamburello, vou lembrar para sempre de onde esta­va na última terça-feira.
"Você não está falando sério?", foi a única frase que consegui balbu­ciar antes de deixar meus joelhos cederem e cair sentada sobre a cama diante da TV ligada na CNN na re­prise da entrevista à rede ABC, que mostrava o presidente dos Estados Unidos dizendo abertamente ser a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Meus olhos enche­ram de água e eu não consegui mais emitir um pio (milagres existem) enquanto tentava absorver a enor­midade do acontecimento.
Mesmo para o país que se vangloria de expor­tar a liberdade como commodity, a gente não imaginaria uma declaração dessa monta da boca de um presidente. Nos últimos anos, os republicanos mais radicais tentaram apresentar leis que iam do direito de despedir gays por justa causa até expulsar fi­lhos homossexuais de casa.
"Que coragem tem esse Obama!", pensei. A comentarista da CNN aventou a possibilidade de que o presidente estivesse tentando uma jogada eleitoreira.
Hmmm. Barack diz ter agido com base em princípios e não visan­do a eleição. Sua ficha corrida em relação aos gays parece comprovar o que diz. Apesar de ter espera­do até esta semana para sair do ar­mário (são quase quatro anos de mandato, mas, neste caso, parecem sé­culos), ele tem avançado as políti­cas em benefício dos homosse­xuais. Acabou com o "Don't ask, don't tell", a solução com desvio tipicamente clintoniano para lidar com a convivência entre gays e não gays nas casernas, assi­nou lei criminalizando a homofo­bia no país, concedeu direitos de vi­sita a casais gays em hospitais, abo­liu a proibição de portadores de HIV de viajar ao exterior, passou a reconhecer gays e casais gays nos dados do censo e expandiu a ajuda humanitária a gays nas ações inter­nacionais.
Vamos ao que nos interessa. To­das as religiões têm de ser respeita­das, mas tanto nos EUA quanto no Brasil nós estamos falando de esta­dos laicos. E, nos dias de hoje, o obs­curantismo e a manipulação não colam mais nem mesmo nas dita­duras do Oriente Médio, que dirá em países onde há presidentes que personificam a superação do pre­conceito e do ódio.
De nossa Dilma, tão icônica quan­to Obama, todos conhecem as con­vicções pessoais. E é por isso mes­mo que nós não podemos mais aceitar que ela balance feito um joão-bobo em questões fundamen­tais como o aborto e os direitos dos homossexuais.
O prestígio atual e a história da presidente conferem a ela a obriga­ção moral de iniciar a conversa so­bre esses temas cabeludos. Não dá para voltar atrás a cada cinco minu­tos ou calar porque ela não quer melindrar uma bancada à qual nem mesmo pertence. Ou será que a Dilma virou uma espécie de Pelé dos anos 70 e vai nos dizer que o país não está preparado para essa discussão? Nem o Pelé pensa mais esse tipo de coisa, ora bolas!
Quando será a hora certa então? Alô, dona Dilma! A senhora está es­perando o quê?
Parece que no Brasil só existem dois assuntos: corrupção e econo­mia. Economia e corrupção. E da­ne-se o resto. Daí chega a eleição e não sobrou tempo para mais nada.
Nos EUA, o presidente negro e idealista está fazendo os jovens gays andarem de cabeça erguida e os pais gays saírem à luz do dia. E a senhora, dona presidente mulher e ex-prisioneira política, vai come­çar a combater o preconceito quan­do?


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