domingo, 6 de maio de 2012

Pelo DSM-5, você sofre de um transtorno se realiza seus desejos sexuais de duas a cinco vezes por semana . Texto de Contardo Calligaris.





Isto, eu lembrei na coluna da semana passada: a ideia de que alguém possa ser viciado em sexo como numa droga nasceu nos anos 1970 -mais como reação moralista contra a liberação sexual do que como categoria clínica.

De fato, a sexo-dependência ("sexual addiction") fez uma rápida aparição no DSM-3 (a terceira edição do "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais" da Associação Americana de Psiquiatria, publicada em 1980). A categoria sumiu da quarta edição e não estará na quinta, que será publicada em 2013 e já é conhecida, pois o texto está sendo debatido on-line.

Agora, o sumiço da sexo-dependência não significa que o DSM tenha renunciado a nos dizer como é uma vida sexual "saudável".

Em regra, a cada nova edição, o DSM convida psiquiatras e psicólogos a penetrar mais no dia a dia de nossa vida e a encarnar uma nova forma de autoridade, um híbrido de padre com policial.



A maioria das objeções à revisão em curso, justamente, protesta contra as mudanças dos critérios diagnósticos que baixam a barra do patológico, ou seja, que qualificam como doentios (e, portanto, precisando de tratamento) comportamentos e afetos que, até aqui, todos (pacientes e terapeutas) considerávamos banais e benignos.

Parêntese: subestimar o poder do DSM seria uma imprudência. Na grande maioria dos países em que os tratamentos dos transtornos mentais são cobertos pelos seguros de saúde, qualquer clínico, que concorde ou não com o manual, é obrigado a diagnosticar nos termos do DSM.

Voltando: se a categoria de sexo-dependência não está no DSM, será que cada um pode decidir livremente quanto sexo é bom para ele?

Nada disso. O DSM-5 prevê um "transtorno hipersexual", "um dos mais sérios transtornos psiquiátricos contemporâneos". Nele, fantasias e/ou atuações sexuais, por causa de seu simples excesso, teriam consequências adversas na vida de alguém. As adversidades encontradas pelo hipersexual são, além do risco de doenças sexualmente transmissíveis, as disfunções nas relações de casal e no ambiente de trabalho (por causa do uso de pornografia no escritório). Faz sentido, não é? Pois é, considere um exemplo.



Em 2008, Eliot Spitzer, governador do Estado de Nova York, perdeu seu mandato e seu casamento, quando foi revelado que ele era cliente assíduo de prostitutas desde a época em que, como procurador, ele perseguia ativamente as mesmas e seus clientes. Exemplo perfeito de transtorno hipersexual? É o que parece, mas pergunto (seriamente): Spitzer manifestava seu "desvio patológico" quando transava com prostitutas ou quando sentia a necessidade de perseguir e punir as prostitutas e seus clientes? A "doença", para ele, era o desejo sexual excessivo ou era a carreira pública hipócrita, atrás da qual ele escondia seu desejo?




O DSM-5 propõe também critérios quantitativos para o transtorno hipersexual. Seu transtorno é de severidade média, se você passa de 30 minutos a duas horas por dia ocupado por fantasias ou desejos e/ou se você os realiza (masturbando-se ou com um parceiro, tanto faz) entre duas e cinco vezes por semana.

Cá entre nós, tendo a pensar o oposto: se você NÃO for ocupado por fantasias ou desejos sexuais entre 30 minutos e duas horas a cada dia e/ou se você NÃO realizá-los entre duas e cinco vezes por semana, você vai encontrar ao menos uma consequência adversa: sua vida sexual de casal vai apodrecer progressivamente.


Não imagine que o DSM tenha intenções moralizadoras. Nada disso. O DSM é um perfeito exemplo do caráter abstrato do poder moderno: ele não promove valores, mas quer apenas controlar e regular. Por isso, seu ideal é que nada seja "normal", pois tudo o que for "normal" fugiria a seu controle.

No caso do sexo, se você não sofre de transtorno hipersexual, não cante vitória: provavelmente, você sofre de um "transtorno de desejo sexual masculino hipoativo" (ou de seu correspondente feminino).


Se você evitou os "excessos" da hipersexualidade e não quer ser hipoativo, saiba que não há critério fixo de hipoatividade; quem julga é o clínico, "levando em conta fatores (...) como a idade e o contexto da vida da pessoa" -sem mais.

Em suma, quer saber qual seria a quantidade certa e "saudável" de sexo na sua vida? Como não é mais moda perguntar para o padre, pergunte para o psicólogo ou o psiquiatra.Como diria minha avó: "Mamma mia!".



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