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Viva a Casa do Rio Vermelho!!
Crônica de domingo, 9 de novembro de 2014: De volta à Tenda dos Milagres
Que tem como epígrafe, os versos de Caetano Veloso para Pedro Archanjo:
Quem é ateu e viu milagres como eu
Sabe que os deuses sem Deus
Não cessam de brotar, nem cansam de esperar
Dia 7 de novembro, 8 horas da manhã.
Chego à minha casa do Rio Vermelho, pela primeira vez após a reforma. Imagino o que vou encontrar, mas não tenho a certeza. Vou só, e da porta ouço a voz de meu pai. A voz linda, a voz amada convida a conhecer a Bahia. Meu coração aperta de uma maneira, que penso que não vou dar conta da emoção. Entro na sala. Ela está igual ao que sempre foi, até a máquina de escrever na ponta da mesa, pronta para ser usada. Quem sabe nascerá mais um capítulo de "Bóris, o Vermelho", dando continuidade ao romance inacabado. Não me contenho, saio para o jardim em busca do banco da mangueira, do aconchego de meus pais. O jardim está esplendoroso, todo recuperado, florescente, cheirando a pitanga, pois o chão está cheio delas e as pitangueiras carregadas. João Jorge, meu mano, chega e nos abraçamos. Choro muito, e muito ainda vou chorar ao longo do dia. O dia da inauguração do Memorial, no qual renasce a minha casa, trazendo de volta os momentos mais felizes de minha vida.
Meu pai dizia:
-- Nunca deixe de sonhar. O sonho é o maior bem, pois é inalienável, ninguém pode tomá-lo de você, minha filha. É a partir dele que realizamos as melhores coisas das nossas vidas.
-- E vemos milagres verdadeiros, como nossa casa renascida em todo o seu esplendor, depois de tantos anos, a volta da festa permanente, da alegria incomensurável, não é Pai?, eu lhe digo embaixo da mangueira, e sei que me escuta e está feliz como eu.
Mamãe se negava a morrer. A cada saída da UTI, vencendo os edemas pulmonares, que indicavam seu fim, segundo os doutores, dizia com firmeza:
-- Não adianta, eu me recuso a morrer sem ver esta casa transformada num memorial para Jorge.
Ela queria reveranciá-lo viva. Não foi possível. Como é contra a natureza os filhos partirem antes dos pais, ela não resistiu à morte de seu primogênito, Luiz Carlos. Mamãe partiu pouco depois, deixando a nosso encargo o sonho do qual não abriu mão.
O Memorial foi feito, Mãe, e reverencia a brava italiana, a Oxum mais baiana! Minha mainha, cuja voz doce vou seguindo pela casa, na ânsia de um abraço apertado.
Mãe, nós conseguimos! Seu neto Jonga, nosso menino tão querido, batalhou bravamento. Sua neta Maria João, nossa Mary Jones, o seguiu nesta luta. Ninguém deixou seu sonho acabar, Mãe. Sabe, fiz para o canto da sala as mesmas flores de papel que um dia fizemos juntas. Ficou lindo, já não sei se foram as minhas ou as suas mãos que a fizeram.
Dia 7 de novembro, 4 horas da tarde.
A casa está cheia, o dia é de inauguraçæo oficial, com discursos e cerimônias. Há um encantamento geral. Quem já conhecia a casa, a frequentava, se espanta por estar tão igual. Quem só ouvira falar, se espanta com tamanha beleza. E a voz de papai que vinha da sala, dá lugar à de Maria Bethânea, que informa ao visitante existir um céu no fundo do mar, igualzinho ao que se conhece, só que com lua cheia todos os dias.
Sônia veio produzida de Tieta, está ao meu lado no palquinho. Estão também minha filha Cecília, meu neto Felipe, João Jorge e Dorinha de mãos dadas, e meus sobrinhos e sobrinhos-netos. E mais o Prefeito Antonio Carlos Magalhães Neto, que trouxe a avó, minha muito querida dona Arlete.E o Secretário de Cultura e Turismo, Guilherme Bellintani, com sua equipe. E Myriam Fraga, diretora da Fundação Casa de Jorge Amado. E Gringo Cardia, o mágico que devolveu à nossa casa a sua face, como se a tivesse frequentado por toda sua vida.
Descerrada a placa, inaugurada a casa, discursos muitos. Devo discursar também. Parece mentira, mas não lembro de uma só palavra que disse. Quaisquer que tenham sido, foram de emoção incontida e verdadeira.
Vejo no jardim minhas amigas Bete Capinan e Rina Angulo. Bete, dona dos mistérios do arquivo fotográfico de mamãe, sua tutora, atendeu a todos os pedidos de Gringo, e foram muitos mais do que se pode imaginar. Não só trabalhou de forma incansável, como me levou para trabalhar com ela. Foram maravilhosos dias revisitando minha vida em sua companhia. Rina, minha irmã querida, meu apoio, meu Norte. Meu agradecimento também é para elas.
Dia 7 de novembro, 7 hora da noite.
Recebo na porta da rua Alagoinhas minha filha Mariana. Ela, André, seu marido, e meu neto Nicolau, acabam de chegar de Brasília. Tão parecida comigo. Nana não contém as lágrimas ao ouvir a voz do avô na sala.
Estou com toda a minha família. A Casa nos reune, e pela primeira vez estamos todos: filhos, netos e bisnetos.
Mãe, saiu melhor que a encomenda!
Dia 8 de novembro, 11 horas da manhã.
Ligo para João, ele está na casa. Deu uma passadinha para ver o movimento. Tem bastante gente, neste primeiro dia de visitação.
Dia 8 de novembro, 4 horas da tarde.
Chegamos ao Rio Vermelho com duas horas de antecedência à festa que reunirá um grupo de amigos na visita ao Memorial. Aproveitamos para ver com calma todos os filmes, entrevistas, depoimentos... Todos?! Vão ser necessários muitos dias para desvendar tudo, se é que se consegue esta façanha.
Fico na sala para receber os convidados. Cada amigo que chega, traz seu melhor abraço. As lágrimas são uma constante. Sônia hoje é Dona Flor, está ainda mais linda. Me dá alegria ver os antigos funcionários da casa, os fiéis amigos que cuidaram de mamãe até o último dia. Com eles amigos de toda a vida, amigos novos, até mesmo amigos feitos nas redes sociais vieram. Vêm artistas, amigos de fora, que viajaram de seus estados para festejar conosco, parentes de nossos parentes. A vontade é agradecer a um por um por ter vindo, citar cada nome. Tarefa difícil, quem sabe uma crônica só para isso!
A casa mantém sua tradição de apresentar e reunir pessoas. Apresento minha prima Beth Ramos a Maria e Georgiana de Moraes. Eu, que tantas vezes fui apresentada como filha de Jorge Amado, não me constranjo em declinar os parentescos na hora da apresentação: a neta de Graciliano Ramos, as filhas de Vinícius de Moraes! E rimos muito, tiramos fotos, as descendentes da literatura nacional!
Dia 8 de novembro, 9 horas da noite.
As crianças não pararam de correr a tarde inteira. Lugar melhor do que o Memorial do bisavô para brincar de esconde-esconde não existe. E ainda tem o lago dos sapos, que ficou no lugar da piscina, com sapos vivos. Miguel, filhinho de Jonga, entrou de roupa e tudo para ir atrás de um deles.
Vencida pelo cansaço, estou me preparando para ir embora, quando Pedrinho, filho de Bruno e neto de João, chega perto de mim, e com a mãozinha cobrindo a boca num coxixo, me segredeia a grande novidade de Júlia, a bisneta mais velha, filha de Maria João:
-- Tia, a Júlia beijou o sapo!
-- E ele virou príncipe?, eu pergunto.
Ele dá de ombros:
-- Pior que não!
Me dou conta que foi a casa quem se livrou do feitiço que se lhe abateu por um tempo. Voltou a ser a Casa do Rio Vermelho, que um dia foi minha e agora é de todos.
Boa semana a todos, quem puder, vá visitar o Memorial.