quarta-feira, 28 de março de 2012

Millor já aprontava em 1949. Texto de Dorrit Harazim


Entra ano, sai ano, ele chega. Implacavelmente. Em sua versão austral, ele começa com o solstício de dezembro, acaba com o equinócio de março e leva bípedes a todo tipo de comportamentos estranhos à beira-mar. Como desnudar-se , encharcar-se de água salgada e torrar o corpo na brasa solar. Este ano, o momento oficial do início dos desvarios cai, apropriadamente, num domingão - mais precisamente, às 9 horas e 4 minutos do dia 21.

Seis décadas atrás, o Rio de Janeiro, estrela maior de todos os verões brasileiros, e que na época ainda brilhava como capital do país, amanheceu radioso para saudar mais um domingão de praia. O presidente do Brasil era o austero (e abstêmio) marechal Eurico Gaspar Dutra. A cidade de 2,5 milhões de habitantes tinha por prefeito o general Ângelo Mendes de Moraes, e Copacabana se orgulhava dos 773 prédios novos que transformavam o bairro na capital do verão nacional. Mas havia, sobretudo, o delegado Deraldo Padilha. Zeloso patrulheiro do decoro civilizatório nos trópicos, o delegado baixara uma portaria proibindo ao banhista andar sem camisa fora das areias da orla. E na manhã de 11 de dezembro de 1949 postou caminhonetes da polícia, agentes uniformizados e à paisana na efervescente Copacabana para fazer cumprir a lei.


Coube ao munícipe Millôr Fernandes, então com 26 anos, já escritor e cronista da revista O Cruzeiro, além de autor da seção "Pif Paf" sob o pseudônimo de "Vão Gôgo", ter uma de suas idéias gratuitas. Arregimentou a rapaziada do bairro, convocou algumas vedetes do empresário da noite Carlos Machado e organizou uma passeata-protesto-desfile que entrou para a história do bom humor carioca, enquanto a medida do delegado esfarelou-se no tempo.

Os rapazes se apresentaram para o domingo al mare paramentados a caráter, da cintura para cima: no mínimo de paletó, quando não um smoking com chapéu ou uma casaca com cartola e cachecol. De resto, pernocas de fora e pés descalços. Assim desfilaram ao lado de demoiselles envoltas em peles, jogaram suas partidinhas de vôlei de praia, furaram as ondas do mar sem revelar um só pêlo do tórax.

A portaria do delegado Padilha, como era de se esperar, teve eficácia porosa. Não foi a primeira a regulamentar o funcionamento dos balneários cariocas. Em 1906, um estatuto do banhista exigia "uma sala ampla e arejada, destinada a receber os afogados". Na relação de peças obrigatórias nos postos de pronto atendimento constavam, entre outros, "abridor de boca" e "pincéis para provocar vômitos".

Onze anos mais tarde, em 1917, o prefeito Amaro Cavalcanti estabeleceu novas normas para reger os banhos do Leme a Copacabana. Banhistas não podiam transitar entre as ruas e a praia "sem uso de roupão ou paletós suficientemente longos, os quais deverão permanecer fechados ou abotoados" até a chegada do usuário na praia. Vozerios e gritos também estavam proibidos, exceto quando fossem pedidos de socorro.

Nessa série de medidas não poderia faltar alguma portaria do prefeito Cesar Maia. Segundo o parágrafo 4º do artigo 7º do decreto nº 26.160, de 27 de dezembro de 2005, passou a ser tolerado o seguinte oferecimento aos banhistas, por ambulantes de pontos fixos:

I- 20 (vinte) guarda-sóis, com duas cadeiras de praia cada, no período de 16 de março a 15 de dezembro;

II- 30 (trinta) guarda-sóis, com duas cadeiras de praia cada, no período de 16 de dezembro a 15 de março;<

III- 10 (dez) espreguiçadeiras de plástico de cor branca, ao longo de todo o ano.

Pelo estatuto do banhista de 1906, a cidade deveria prover uma sala para afogados, com "abridor de boca" e "pincéis para provocar vômito". Em 1917 só era permitido gritar para pedir socorro



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