domingo, 22 de agosto de 2010

Tecnologia para as massas. Por Sérgio Malbergier .


Philip Roth disse outro dia a Tina Brown em entrevista que você vê no Youtube que a grande literatura em algumas décadas será como o latim hoje. Estudado e mantido vivo apenas nos meios acadêmicos por algumas dezenas de milhares de entusiastas.
Roth talvez, como sempre, esteja sendo amargo demais. Mas que a literatura vai mudar como a música mudou é um processo que já começou.
A Barnes & Noble, maior rede de livrarias dos EUA, está à venda e em crise. Suas megastores parecem hoje dinossauros em Manhattan.
Lembro de Paulo Francis escrevendo insistentemente em algum ano da década de 1990 sobre a inauguração da mega Barnes & Noble da Quinta Avenida, um templo à cultura, andares e andares, estantes e estantes de livros inventariando a experiência humana.
Houve época no século 20 em que as pessoas iam às livrarias e se largavam a ler por seus sofás e poltronas postos ali para esse fim, por horas. Escolhia-se um livro ao acaso, qualquer livro. Hoje não há lugar melhor para browsear estantes e conteúdos do que a internet. O Google se propõe a ser a maior biblioteca do planeta. Tomara, agradecemos o acesso.


Mas a Barnes & Noble não está convivendo bem com a era digital. E a indústria da música já provou como isso é fatal, com a morte súbita das megalojas de discos (alguém ainda lembra o que é um disco?) como Tower e Virgin e a dominação total das vendas e trocas online.
As vendas de e-livros explodem junto com as de iPads, Kindles e outros leitores eletrônicos. Amazon e Aplle rumam para dominar o mercado na qual a Barnes & Noble reinou por muito tempo. Entrar na B & N que tanto entusiasmou Francis hoje é deprimente. Já numa loja da Apple não dá nem para entrar.
Os saudosistas, sempre reacionários, lembrarão como é valiosa a sensação de folhear livros percorrendo fileiras cheias deles e dirão que o fim das livrarias é mais um sinal de nossa inexorável decadência intelectual.
Balela.
A cauda longa da web é a maior difusora de conhecimento. Suas estantes virtuais são muito maiores e mais completas do que as estantes da maior Barnes & Noble.
Os leitores de livros ainda custam caro demais no Brasil por causa de um protecionismo vesgo e uma tributação ignorante que impedem o acesso de milhões de brasileiros ao que há de mais atual nas novas tecnologias.
Isso nos deixa tão para trás.
Um Kindle nos EUA custa US$ 190. Um similar menos sofisticado no Brasil custa mais que o dobro. O iPad sofre a mesma distorção.
Nós brasileiros sempre lemos pouco, um defeito enorme e sintomático. Agora estamos nos excluindo da revolução dos e-livros.
Precisamos de uma nova abertura dos portos e menos ou nenhum imposto.
Tecnologia para as massas!


Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha.com às quintas

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