quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Texto: Ana Suy Sesarino.

Há quem diga que o "verdadeiro amor é aquele que resiste a tudo".

Discordo.
Para começar, "Verdadeiro amor" é um pleonasmo tão escrachado quanto "subir para cima", ou "descer para baixo". Se é amor, há que ser verdadeiro, senão, trata-se de qualquer outra coisa, menos de amor
Além disso, aquilo que "resiste a tudo", chama-se diamante, aço, irídio, transtorno do amor...mas não "amor", puro e simples.
O amor é uma experiência humana bastante difícil de satisfazer.
Amar é dar ao escolhido uma parte de si, querer para si uma parte do outro. E quando se trata de partes nossas, somos muito exigentes.

O amor é coisa que requer cuidado, requer vigília, requer provas para continuar existindo. Provas de amor.
Lacan disse: "amar é dar o que não se tem a quem não o é". Explico.
Exige-se do filho comportado em casa e distraído na escola, que tenha boas notas na escola; exige-se do filho que tem boas notas na escola e que só come arroz em casa, que coma verduras.
Exige-se do namorado que sempre dá flores, escreva um cartão; exige-se do namorado que escreve cartas românticas, que a leve para viajar.
Exige-se da moça recatada, que as vezes coloque um decote; exige-se da moça ousada nas roupas, que se cubra um pouco mais.
O amor pede ao outro aquilo que ele não tem. Ora, que graça tem ser apenas mais um amor? O ser humano quer se sentir único e especial. Quer uma "grande coisa".
Ganhar um presente caro de alguém rico é coisa pequena. Ganhar flores do cara que trabalha na floricultura "não tem nada de mais".
São as demandas de amor. Demandas essas que jamais poderão ser completamente satisfeitas, e que por isso, dão espaço para outras contruções, outros pedidos, outras exigências.
Todavia, essa demanda será sempre fustrada, pois não se pode satisfazer ao outro infinitamente. Seria a morte. Na impossibilidade de respondermos às demandas do outro, simetricamente, contentamos-nos com uma satisfação parcial.
É o que sustenta a continuidade do amor. É porque o beijo perfeito ainda não aconteceu, que se quer beijar mais e mais, é a declaração de amor mais bonita que ainda não foi dita, que permite que se continue a escrever, aperfeiçoar e declarar. É a falta que nos permite prosseguir.

O amor demanda o amor.
Ele não deixa de demandá-lo.
Ele demanda mais...ainda.

(Lacan)

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