Ainda não experimentei a nova atração paulistana em termos de guloseima, o cupcake. Moda que chegou de chofre e em alto estilo por aqui.
Não como, mas já passei pelas lojas especializadas no produto; são verdadeiras butiques, com seus bolinhos coloridos expostos como se fossem anéis ou relógios de pulso numa joalheria.
Só um espírito grosseiro incluiria os cupcakes na categoria da empadinha ou do bombocado. Pertencem a um mundo em miniatura, o dos carrinhos de colecionador, dos sabonetinhos de hotel, dos anõezinhos de jardim e da Barbie.
São, na verdade, bolos de brinquedo, apelando a cores suaves: o rosa-fita-de-cabelo, o azul-xampu, o branco-pompom. Correspondem não mais a um doce real, mas à guloseima do conto de fadas. "João e Maria", eis um bom nome, quem sabe, para uma loja dessas.
Mas chego atrasado aos fatos. Já existe uma "Maria Brigadeiro", que é a resposta da nossa cultura à invasão dos cupcakes. O princípio é o mesmo: fazer daqueles docinhos de festa, que antigamente eram engolidos à baciada, pequenas obras-primas da confecção "prêt-à-porter".
Cada brigadeiro, assim como cada cupcake, será portanto uma experiência única. Você que trate de escolher direito. O brigadeiro com lascas de pistache, o cupcake com raspas de laranja, um grãozinho de café ou um microturbante de suspiro em cima, a sua opção é irreversível. Não haverá outro doce a comer nos próximos dias.
Cuidem de roê-lo aos poucos, meu caro hamster de shopping center, minha ágil esquilinha da Oscar Freire. É mínima e cara a guloseima; segurem-na com as duas mãos.
Mas não é apenas o aspecto de brinquedo comestível o que caracteriza o cupcake -aparentando-o, aliás, aos copinhos coloridos do Nespresso. O cupcake é mais um passo na individualização da nossa vida gastronômica.
Usei acima a palavra "prêt-a-porter", e a expressão adquire aqui seu sentido literal, o de algo "pronto para levar com a gente". Pense nos bolões empapados de marshmallow das doceiras tradicionais, como a Amor aos Pedaços. Você pede uma fatia e, a não ser que seja um irremediável porcalhão, terá de sentar-se, com seu pratinho e seu garfinho, para comer apropriadamente aquela deformidade.
O cupcake é acinturado, evasivo, portátil. Elimina de vez o que os velhos florestas-negras ainda podiam evocar de festa coletiva, de "potlatch" natalício.
O bolo do mostrador de vidro refrigerado, suando em bicas sob a luz fluorescente, seguia ainda uma receita antiga, daquelas que "rendem de oito a dez porções". Uma fatia de bolo, como uma de pizza, pressupõe a reunião familiar em volta de uma mesa.
O cupcake introduz, nessas muralhas de resistência afetiva, o espírito do cada um por si. Comer, como naquele velho filme de Luis Buñuel (1900-1983), onde as pessoas se trancavam no banheiro para devorar um frango com batatas, deixa aos poucos de fazer parte da esfera coletiva para entrar no campo da intimidade, do inconfessável.
Tudo bem que se saia andando pelos corredores de um shopping mordiscando o doce; mas é algo tão individual quanto fumar, o que de resto só se faz escondido.
Há uma relação, aliás, entre a "portabilidade" e o individualismo em geral: veja-se o caso dos telefones celulares.
Antes, o telefone era uma peça única, preta, buraco negro da vida familiar. Hoje, é o chip de cada um, seu DNA, sua agenda, sua memória, sua vida, sua alma.
De coletivo, resta a pizza. Que digo? Já existem à venda as pizzas em cartucho, feitas como canudos de sorvete, que qualquer pessoa pode comer sem ter de dar satisfação a ninguém. Bom apetite.
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