segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Cora Ronai, os aeroportos e as lojinhas de bairro!

O governador Sérgio Cabral reconheceu, enfim, que o Galeão “é uma vergonha para o povo do Rio”. Para quem viaja tanto, demorou a fazer a constatação, evidente até para quem nunca saiu do país. Mas o Galeão não virou o pior aeroporto do Brasil do dia para a noite. Ele é péssimo há tempos, e há tempos cariocas e visitantes reclamam disso. Não é estranho, então, que, em nome deste aeroporto de quinta, o mesmo governador que hoje reconhece o óbvio tenha impedido uma companhia aérea novinha de se instalar no Rio de Janeiro?
Isso aconteceu há muito tempo, há bem uns três anos, mas ainda dói em muito coração carioca. A Azul acabava de ser criada: com 200 milhões de dólares, era a companhia de fundação mais capitalizada da história da aviação mundial, e pretendia se estabelecer aqui -- desde que pudesse operar a partir do Santos Dumont, recém-reformado. De lá, informava-se à época, teria vôos diretos para 22 destinos, grande pedida para quem mora no Rio e não tem jatinho à disposição.
A vontade da Azul de se instalar no Rio era tanta que a empresa chegou a brigar na Justiça pelo direito de voar do Santos Dumont; mas o governador Sérgio Cabral – esse mesmo, que só agora descobriu que o Galeão não presta -- fez o que pode para impedir isso. A desculpa oficial, não sei se vocês lembram, é que o Galeão não podia ser “esvaziado”; o governador preferiu esvaziar o Rio de uma empresa com a qual só tinha a ganhar. A Azul passou a voar de Campinas, São Paulo ganhou uma excelente companhia aérea e nós ficamos a ver navios.
Não sou de guardar rancor, mas, como carioca, até hoje não me conformo com essa história.

* * *

Agora mesmo, no começo do ano, passei pela experiência humilhante de decolar do Galeão e aterrissar no MacCarran, de Las Vegas – um aeroporto internacional digno do nome, grande, confortável, limpo, sempre tinindo. Já perdi a conta do número de vezes que fui a Las Vegas – as maiores feiras de tecnologia acontecem lá – mas não perco a admiração por aquele aeroporto, que vem se mantendo tão bem ao longo dos anos. Há sempre uma novidade qualquer no MacCarran, que é lindo, tem wi-fi grátis por todo lado e usa parte de seu generoso espaço como galeria de arte. A curadoria é ótima, e as exposições são, em geral, muito interessantes.
Esperar por um vôo num aeroporto assim não é sacrifício nenhum. Há boas lojas, uma quantidade de bares e restaurantes, cadeiras confortáveis e tomadas para os notebooks e celulares dos passageiros. Las Vegas não vai sediar nenhum evento esportivo de magnitude mundial nos próximos anos, mas em termos de aeroporto, dá de dez a zero no Rio. Detalhe: estamos falando de uma cidade que não chega a ter 600 mil habitantes. Contando com boa vontade, e incluindo as áreas vizinhas numa espécie de “grande Las Vegas”, não chega a dois milhões. E isso porque Vegas foi, nos últimos anos, uma das cidades que mais cresceu nos Estados Unidos.

Pior do que a comparação em tamanho é a comparação histórica. Las Vegas nasceu no século passado e é uma invenção mantida artificialmente, uma espécie de miragem em concreto. O Rio é uma cidade de verdade, que cresceu de forma natural ao longo dos séculos, foi capital, tem História. Não é um parque de diversões. A razão existencial de Las Vegas é o turismo, e faz sentido que tenha um bom aeroporto; o que não faz é que uma cidade como o Rio, atração turística em si mesma, mas com toda uma vida para além dos postais, não tenha. Receber um cidadão de Las Vegas no Galeão é constrangedor. Las Vegas, vejam vocês: não estamos sequer falando de Londres ou de Chicago.


Para lá dos hotéis e das luzes feéricas, há uma cidade “normal” em Las Vegas – uma típica cidade americana de interior, cheia de subdivisions (algo entre a superquadra de Brasília e o quarteirão), com renques de casinhas iguais da classe média e casarões hollywoodianos de ricaços. Aqui e ali, um comércio miúdo, passando por um aperto terrível, já que a cidade foi das mais atingidas pela crise.
Quando não encontrei na Best Buy a câmera que queria, liguei para a primeira loja de fotografia que achei na consulta ao Galaxy Tab; eles tinham duas em estoque. Assim é que peguei um taxi e fiz a travessia entre a Las Vegas dos turistas e a dos moradores. Cheguei a uma lojinha pequena, de bairro. Perguntei o preço e o vendedor me deu a informação na defensiva: “igual ao do Best Buy e ao da Amazon”.
Na sacola, junto com a máquina e um paninho para limpar a lente, ele pôs um folheto que só vi no hotel. Era a divulgação de um projeto para salvar o pequeno comércio.

“Pense nas três lojas independentes que mais lhe fariam falta se desaparecessem. Passe por elas e dê um alô. Compre uma coisinha qualquer. É a sua contribuição que as sustenta.”
Fiquei com pena do moço da lojinha, tendo que competir com as Best Buys da vida. E, apesar de achar muito conveniente encontrar tudo num só lugar, pensei, pela enésima vez, na falta graça do comércio globalizado, nas mesmas marcas repetidas nos mesmos shoppings repetidos pelo mundo afora.
Saudade do tempo em que a gente viajava e trazia coisas realmente diferentes de cada lugar. E, sobretudo, em que não morria de vergonha da chegada no nosso aeroporto.

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