Há um momento em Lixo Extraordinário quando o filme entra num beco sem saída sobre a conclusão moral da história que ali está sendo contada. O documentário que tinha como intenção inicial registrar o trabalho do artista plástico Vik Muniz com os catadores de lixo do maior aterro sanitário da América Latina, o Jardim Gramacho no Rio de Janeiro, vai tentando se desviar de uma possível vilanização ou vitimização das pessoas reais num exercício constante de aproximação e distanciamento do quadro, tal como quem numa exposição - explica Vik a certa altura -, vê de perto o material e de longe o cenário.
O filme vê de perto o drama individual de pessoas à margem até mesmo de nossa visão periférica. E de longe nos revela uma paisagem de barreiras quase (sim, quase) intransponíveis entre classes sociais e, mais agudo, entre a assistência e o paternalismo. E esse debate, por si só, vale todo o filme, dirigido a seis mãos por Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley. Walker, vale lembrar, foi citada pelo jornal inglês The Guardian como uma das 10 revelações mais importantes do atual cinema britânico.
Após uma breve introdução ao trabalho de Vik Muniz, suas origens e a constante preocupação social do artista, o filme embarca na viagem dele em se criar uma série de trabalhos tomando como base a imagem de catadores de lixo. À medida em que a ideia vai sendo maturada em sua cabeça, o vemos dando seus primeiros passos naquele ambiente inóspito do aterro sanitário, onde o termo condições de trabalho torna-se luxo com significado descartável. O choque inicial de realidade com aquele cenário de abutres, lixo e gente é, de certa forma, o choque do espectador. Quando então é chegado o momento de adentrar um pouco mais na ideia das obras e nas pessoas que farão parte dela, o documentário torna-se peça fundamental para a própria obra do artista.
Temos então um claro projeto em cena: Vik fotografa as pessoas, que são escolhidas não apenas por suas imagens, mas particularmente por suas histórias de vida, e quando a foto é revelada, ele a projeta em tamanho gigante no chão. Entram em cena então os próprios catadores fotografados, que passam a reconstruir suas imagens com o lixo que eles mesmos catam. Mas a inserção dessas pessoas no atelier do artista provoca o tal questionamento sobre os papéis e limites de cada um no processo de interação social.
Lixo Extraordinário, assim vários documentários que se dispõem a fotografar a realidade de grupos sociais alijados de cidadania, se vê como parte responsável desse processo de afastamento entre os homens de bem e de bens. Em sua conclusão acertadamente inconclusiva, o documentário nos deixa um gosto amargo na boca de que, ao contrário de fotografias, não conseguimos assim tão fácil modelar o retrato de uma sociedade.
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