sábado, 21 de abril de 2012

Onde deveria reinar a bossa, reina a boçalidade! Talvez por isso eu nunca tenha tido vontade de conhecer Brasilia! Tenho a sorte de viver numa linda cidade salpicada de obras do genio Niemeyer e a beira mar, isso conta! Fiquem agora com o belo texto é da Cora:


Numa encarnação tão remota que nem parece ter sido comigo, morei em Brasília. Detestei cada minuto dos oito anos que passei na cidade — ou, vá lá, quase cada um de todos aqueles intermináveis 4.207.590 minutos (se é que o Google fez o cálculo direitinho). Na época, apesar da quantidade de construções, Brasília ainda estava mais para projeto urbano do que para cidade propriamente dita. Eu morria de saudade da vida cultural do Rio, dos horizontes cortados por montanhas, da brisa que vinha da praia. Viver sem isso talvez fosse até possível em outras circunstâncias, mas para onde quer que a gente se virasse na capital havia uma autoridade, geralmente de farda. Não bom. As autoridades que não usavam farda faziam questão de se mostrar autoridades, e imbecis, logo nos primeiros minutos de conversa: “Sabe com quem está falando?” não era material de comédia, mas frase corriqueira. Um dia me cansei daquilo tudo. Botei meu possante Fiat 147 na estrada e voltei para o Rio.
Curioso: durante os anos que vivi em Brasília, sempre que pegava um avião para o Rio tinha a sensação de estar voltando para casa; avião para Brasília, porém, era condução para o desterro.
Tive acirradas discussões com amigos que, ao contrário de mim, adoravam — e ainda adoram — Brasília. Olhando para trás com tantas luas de distância, percebo que, afinal, todos estavamos certos. Ubi bene ibi patria, diz o ditado: Pátria é onde nos sentimos bem, e nunca consegui me sentir bem naquela cidade hostil, de terra vermelha. Os amigos mais empolgados ainda tentavam me mostrar as belezas do cerrado, mas desde que vi os bisonhos e típicos arranjos de flores secas vendidos na torre de televisão, tomei-me de antipatia por aquelas plantas mumificadas.
Hoje percebo que o problema não era Brasília, o problema era como eu me sentia em Brasília. Poderia ter aproveitado os meus anos na cidade para documentar o seu crescimento, para explorar o cerrado (que, ao contrário do que eu achava, pode ser bem bonito), para estudar astronomia ou para me divertir com o insólito faroeste caboclo à minha volta. Poderia até, quem sabe, ter aproveitado a chance de ganhar um bom dinheiro comprando os terrenos que ninguém queria, e que hoje valem fortunas. Enfim: poderia ter feito uma limonada ou uma caipirinha, mas estava tão ocupada mastigando o limão que nunca me dei conta das suas possibilidades.
Saí de Brasília para nunca mais voltar, mas a vida gira, a Lusitana roda, a gente amadurece, as circunstâncias mudam. Hoje, madrugada de quarta-feira, digito essas mal tecladas num quarto de hotel com vista para o Eixão — algo que há bem poucos anos ainda me deprimiria além de qualquer medida, mas que atualmente me surpreende agradavelmente. Cheguei à cidade ontem à tarde, debaixo de um temporal — já havia esquecido que chove em Brasília — e fiquei impressionada com a quantidade de verde, com o tamanho das árvores, com o movimento de carros e de pessoas. O céu continua, como sempre, sendo um show à parte — o único, aliás, que eu era capaz de apreciar nos meus anos de exílio.
Vim participar da Primeira Bienal Brasil do Livro e da Leitura, um evento grandioso que, ocupando uma área de 14 mil metros quadrados na Esplanada dos Ministérios, reunirá, ao longo de dez dias, cerca de 150 escritores brasileiros e estrangeiros. A lista de convidados e de atividades é de tirar o folego. O carro que me trouxe para o hotel passou pela esplanada para que eu visse o tamanho da coisa, mas ainda não estive lá: passei a tarde às voltas com o mais prosaico dos problemas.
O hotel em que estou hospedada passou por uma reforma geral e está tinindo. Tudo é novo e agradável. Só tem um porém: as tomadas. Suponho que, durante os trabalhos de reforma, os reformadores, movidos, certamente, pelo espírito da lei, equiparam o Mercure inteiro, de alto a baixo, com aquelas abomináveis tomadas de três pinos que, não sei exatamente como, foram impingidas à Nação enquanto dormia.
Meu quarto tem cinco tomadas, o que estaria de ótimo tamanho — se apenas eu pudesse usá-las. Mas quem diz que posso? Meu notebook, comprado há dois anos nos Estados Unidos, tem o tradicional plugue de dois pinos achatados; o carregador da câmera idem, assim como o do iPhone — este por besteira minha, já que o equipamento padrão que carrego na nécessaire de cabos e adaptadores têm plugues e benjamins de pinos achatados. Os adaptadores universais, tão úteis em outras plagas, não servem de nada aqui, porque não cabem nos malditos hexágonos em baixo relevo com que nos brindou a nata da burocracia.
Liguei para a recepção pedindo socorro, mas fui informada de que todos os adaptadores estavam emprestados. De modo que, em vez de passear ao léu pela cidade ou de dar um bordejo pela Bienal, tive que ir para um shopping, à cata de adaptadores. Comprei logo três, porque eles são o contrário dos que uso em casa, onde as tomadas são antigas e os aparelhos modernos. Comprei também uma nécessaire para cabos e adaptadores tamanho família, porque, de hoje em diante, prometo que não vou mais nem à esquina sem levar adaptadores assim, assado e muito antes pelo contrário. Neste exato momento, meu notebook e meu celular estão ligados a uma patética gambiarra de dois adaptadores que acaba com todas as boas intenções da Apple em fazer, mesmo dos plugues elétricos, objetos elegantes.
Não vou questionar a pureza de intenções dos burocratas que inventaram esses polígonos com alma de jaboticaba, o PAL-M dos adaptadores elétricos; a certeza que tenho sobre as suas faculdades intelectuais já me dá desgosto suficiente.
Só sei que, se eu tivesse um hotel cheio de tomadas inúteis, poria um ou dois adaptadores entre os itens do minibar em cada quarto. Com a quantidade de gringos chegando ao país para Rio+20, Copa do Mundo e Olimpíadas, eu ia faturar que ia ser uma beleza…


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