Se me perguntarem quando comecei a ser Nélson Rodrigues, eu direi: exatamente aos sete anos de idade. Eu fazia o terceiro ano primário na Escola Prudente de Morais. Vamos ver se me lembro de alguns nomes. A diretora era D. Honorina. Se não me engano, a professora do 5o ano chamava-se Odete, D. Odete. Tenho certeza: era Odete, sim. E a minha professor, D. Amália.
Eu me vejo na aula. Como sempre digo, era pequenino e cabeçudo como um anão de Velásquez. [...] Aos seis, sete, oito, nove anos, eu me apaixonava por todas as professoras. Mas não é isso que queria contar. Queria contar que, um dia, houve um concurso de composição na minha classe.
Geralmente, tínhamos de escrever sobre estampas de vaca ou de galinha com pintinhos. Naquele dia, porém, D. Amália avisou: “Vocês vão fazer uma história. Imaginem uma história.” Cada qual fez a sua. O julgamento durou dois dias. Veio o resultado, com dois premiados: eu e outro menino. O meu rival descrevia o passeio de um rajá no seu elefante favorito.
E eu? Bem. Na minha história, uma mulher traía o marido. A composição começava assim: “A madrugada raiava sanguínea e fresca.” Era um plágio cínico e deslavado. Eu fora ao soneto célebre e o saqueara. A imagem era de Raimundo Correia e a história minha. No fim, o marido descobria tudo e esfaqueava a mulher. O prêmio ao rajá e o respectivo elefante era uma concessão ao convencional. No meu caso, foi com certo escrúpulo e pânico que a professora dera o prêmio à carnificina.
Direi, a bem da verdade, que a minha historinha causou um horror deliciado. Outras professoras vinham, na porta, espiar o feliz autor. Eu era, para todos os efeitos, um pequeno monstro. Sim, foi esse meu primeiro escândalo (trecho da crônica “Este Mundo Sem Nenhum Amor”).
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