Muitos reveillons já passaram debaixo de minha ponte desde que, no de 1959, meu irmão resolveu casar no dia 1º de janeiro às 11h e eu, esquecido da vida numa farra no bar Capibaribe, no Recife, mal cheguei a tempo de botar o terno e ir para a igreja. Meu atraso criou tamanha tensão na nossa casa que minha mãe, dona Maria do Carmo, adepta do melodrama radical (foi ela quem me ensinou os ossos do ofício!) só me deixou entrar depois que concordei em levar seis “bolos” de escova de roupa em cada mão, pois naquela época os pais batiam nos filhos, com resultados educacionais altamente positivos.
Sim, foram tantos os reveillons que já nem me lembro de todos. Sei que já passei a data preso numa cela na Ilha das Flores, em Assunção, Punta del Leste, Lisboa, Nova Iorque, Paris e num quarto da Hospedaria Ostal, na Rua Gomes Freire, no Rio, onde eu tentava esconder um cidadão que dois dias depois seria morto a tiros. Em nenhum deles pensei que a data significava ao mesmo tempo o fim de alguma coisa e o recomeço de tudo. Sempre achei essa euforia toda que as pessoas demonstram no fim do ano alguns tons de cinza acima do fake… Mas nunca deixei de ser alegremente fake como todo mundo.
Esse ano não farei por menos. Botarei a cueca amarela e a camisa branca – ambas novas -, jantarei mais cedo por causa da gritaria generalizada, que para mim é sempre um incômodo… E verei a queima de fogos na praia sim, mas a 200 metros de distância e no décimo-primeiro andar de um prédio.
Claro, tudo isso porque sou uma pessoa reservada, pra dizer o mínimo. Mas não aconselho vocês a fazer o mesmo. Por isso lhes pergunto: já sabem onde vão passar o reveillon? Se não sabem, posso dar algumas dicas. Por R$ 190, se decidirem subir a Serra, podem ir ao reveillon da Locanda della Mimosa (o do ano passado na foto acima), onde, sem nenhum esforço, terão a forte impressão de que perderam o rumo e foram parar na Toscana… Onde tiveram a chance de provar, tudo incluído, o magnífico menu do chef Paulo Duarte. Ou ir a um dos salões do Sheraton Hotel, na Barra (o ingresso no mais caro custa R$ 900), onde terão tudo de que gostam, inclusive decibéis suficientes para deixar um surdo ainda mais surdo.
Ou podem enfrentar e fila torturante do bondinho e ir ao Pão de Açúcar onde, também por R$ 900, terão – em todos sentidos que a expressão permite, uma ”experiência inesquecível”. Menos radical, porém tão barulhento quanto – e por 869 paus -, terão o reveillon do Forte de Copacabana, com direito a show de Jorge Benjor e mais um daqueles DJs de nome esquisito.
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Ou, seguindo a moda dessa estação lançada pelas novelas, ir a um dos muitos “reveillons” de laje” nas favelas, dentre os quais se destaca, no Morro do Pavão-Pavãozinho, o da dona Azelina. Já no ano passado ele foi mais caro que o da Locanda – custou R$ 250… E este ano aumentou mais de 300% e agora custa cerca de mil pilas. Dessa vez, disseram a proprietária da laje em questão e mais o organizador da festa, Daniel Plá, não haverá cerveja, o que é um modo bastante sutil de tornar o evento mais seletivo. Haverá sim, champanhe Moet & Chandon, o que confirma a minha tese segundo a qual, em matéria de bom gosto, a nova classe média está progredindo a olhos vistos.
Claro, há outros reveillons em outras comunidades, inclusive num “hostel” chamado “Favela Inn” (a sala de estar do mesmo na foto abaixo), ali no Morro do Leme. Mas o de dona Azelina, já em seu segundo ano, é o mais tradicional e “o mais antigo”… Além de ser o quinto mais caro do Rio de Janeiro. A ele terá acesso um público seletíssimo, pelo menos na quantidade: apenas 60 pessoas. E o dinheiro apurado na festa reverterá – como tudo que se faz nas favelas – “em prol da comunidade”.
Minha lista de reveillons possíveis, como vocês vêem, é ínfima. Afinal de contas, festeiro como é, o carioca faz um reveillon, um carnaval, e uma micareta por semana em cada esquina… E não, eu não o critico por isso, pelo contrário: eu, que sou um cidadão habitualmente triste e reservado, invejo toda essa alegria. E lamento profundamente porque dela não participo.
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