“Você tem certeza de que o ar refrigerado está funcionando?”
“Acho que tenho.”
“Está meio quente.”
“O ar não está dando conta. Está meio quente aqui mas lá fora está inteiramente quente, estupidamente quente, absurdamente quente!”
“Você agora me lembrou o Robin Williams, fazendo a previsão do tempo em ‘Bom dia Vietnã’…”
“Ótimo filme! Naquela época o Robin Williams ainda não sabia que era o Robin Williams e ainda era bom. Depois desandou. Me alcança mais um pedaço desse peru, por favor, de preferência carne branca.”
o O o
“Hoje de tarde quando saí achei que ia passar mal. Envelhecer é fogo. Quando eu era nova não sentia esse calor todo.”
“Lógico que não sentia, mas não era por causa da idade. É que naquela época não fazia tanto calor. Havia menos asfalto e mais árvores. A camada de ozônio ainda estava em boas condições. Não havia aquecimento global. Quer mais um pouco de salada? Esses tomatinhos cereja são tão gostosos!”
o O o
“Na Rússia as pessoas estão morrendo de frio.”
“Inveja delas… O que é que tem nessa farofa?”
o O o
“Vocês viram o video que rola no YouTube em que os africanos se unem para mandar aquecedores para a Noruega? Tem uma musiquinha tipo ‘We are the world’, com vários intérpretes no mesmo estúdio. E aí tem cenas de pessoas às voltas com neve e gelo e cenas do pessoal de uma suposta ong chamada Radi Aid recolhendo aquecedores de africanos sorridentes e generosos. A letra fala das criancinhas norueguesas que estão congelando e da ajuda que a África pode dar. Muito engraçado! Da última vez que vi tinha o comentário de um cara dizendo que o video é uma enganação, que ele mora em Oslo, vive com frio e nunca viu um só desses aquecedores… Não sei se ele não entendeu a brincadeira ou se o humor norueguês é impenetrável para um reles brasileiro. Vou na cozinha pegar mais refrigerante, alguém quer?”
o O o
“Sinto falta do Natal europeu. Não por causa do frio, mas por causa do cheiro dos pinheirinhos. Nós sempre tínhamos uma árvore grande e bem enfeitada. Os ciprestes em Friburgo tinham um cheiro parecido. Não eram a mesma coisa, mas quase. Vocês se lembram? Me passa o molho, por favor.”
o O o.
“Eu queria propor um brinde. Vamos beber à memória de Willis Carrier?”
“Quem é esse?”
“Um dos maiores gênios da História: o inventor do ar refrigerado.”
o O o
“Estou num dilema. Ou desligo o ar e não durmo de tanto calor, ou ligo o ar e não durmo de preocupação com a conta de luz. Faz um mês que não consigo viver sem ar refrigerado. E sem preocupação.”
“Eu também. O pior é que acabo com o pior de dois mundos, conta alta e problemas na relação com os quadrúpedes. Os gatos detestam ar refrigerado e não vêm mais dormir comigo. Você provou a lichia em calda?”
o O o
“Hoje li no jornal que uma pesquisa na Inglaterra chegou à conclusão de que uma ceia de Natal típica tem 660 calorias. Isso para não falar na quantidade de ingredientes nocivos à saúde.”
“E precisava fazer pesquisa para isso? O que tem de gente desocupada fazendo estudo ridículo é uma grandeza! É só a gente ver o que está comendo! Natal é o pé na jaca dos pés na jaca.”
“Vamos mudar de assunto? Falar sobre caloria em ceia de Natal é falar de corda em casa de enforcado.”
“Lembra da frase clássica? O que engorda não é o que se come entre o Natal e o Ano Novo, mas o que se come entre o Ano Novo e o Natal. Aliás, temos uma torta de bem casados com doce de leite, mas se vocês quiserem uma saladinha de frutas a gente pode providenciar.”
o O o
“Não aguento mais as pessoas pedindo paz no mundo de presente de Natal. Isso é a mesma coisa que pedir um unicórnio. Eu ando numa fase de fazer pedidos mais humildes: que quando eu vá para a cozinhe tenha todos os ingredientes para a receita em que estou pensando, por exemplo. Ou que eu não descubra que o shampoo acabou quando já estiver debaixo do chuveiro. Alguém já provou da mousse?”
o O o
“Os taxis sumiram todos, levamos horas para conseguir um para vir para cá. Talvez seja bom ligar e pedir um logo.”
“Já liguei. Impossível. Vamos ter que tentar a sorte lá embaixo.”
“Você vê como está isso? Num simples dia de Natal! Imagina na Copa…”
(O Globo, Segundo Caderno, 27.12.2012)
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