domingo, 20 de junho de 2010
A psicanálise explica porque o brasileiro é tãããããoo apaixonado por futebol!
O que é, de fato, o futebol? O que ele coloca em cena? O que ele mobiliza? Para a psicanálise, a questão é, no fundo: de onde vem a força desse esporte para reunir multidões, arrancar tantas emoções e despertar tanta fala entre os sujeitos? De onde vem essa violenta paixão?
Algumas coisas do futebol já sabemos com a psicanálise. Sabemos que o esporte, em geral, proporciona uma intensa forma de satisfação, ao colocar em atividade o aparelho motor e oferecer-lhe condições ótimas para descarregar a agressividade. Dito de outro modo, a agressividade é inerente a todo esporte e pode ser bem evidenciada no futebol ao estudarmos a sua linguagem, francamente bélica: ataque e defesa, capitão, artilheiro, tática etc. O time é um miniexército que visa a conquista da vitória. Fala-se de tiro de meta, petardo e canhão (para designar chutes poderosos), de poder de fogo do time etc. Os exemplos são intermináveis e a linguagem futebolística evidencia, com todas as letras, que, inconscientemente, nesse esporte, a guerra comparece velada, traduzida nas exigências da cultura humana. Há alguns anos, a figura da morte, que jamais comparecera no jogo, se tornou presente enfim, com a nova regra da “morte súbita”. Cada jogo é a representação alegórica da guerra. O amor e a guerra são o sal da terra, já dizia o poeta.
O jogo de futebol constitui, de fato, a sublimação das forças (chamadas pela psicanálise de pulsões) de dominação e agressão inerentes ao humano, e as coloca em cena sob uma forma civilizada, passível de ser admitida para que haja convívio entre indivíduos, assim como entre povos. Tal afirmação encontra sua confirmação na manifestação oposta – infelizmente cada vez menos episódica - dos fenômenos de violência entre torcidas, dos quais os hooligans ingleses constituem o bárbaro paradigma, e entre jogadores. Pois a sublimação das pulsões agressivas e sexuais não pode ser total (este é um dos axiomas da psicanálise), elas exigem sempre uma parcela de realização direta de satisfação.
Mas temos uma hipótese que vai um pouco mais longe. Segundo ela, o futebol é, no fundo, a celebração da vigência da Lei humana. É o juiz que, entre os jogadores, conduz a partida e as possibilidades que esta apresenta; é ele quem, invisível (ninguém olha para ele), sem tocar na bola (ele a evita), dá a ela todo seu sentido (inicia e encerra o jogo, o interrompe se achar necessário, valida ou não o gol) e emoldura o quadro no interior do qual todo o jogo se desenrolará. É com referência a ele - presença materializada da Lei em campo, com sua austeridade, seu apito e cartões amarelos e vermelhos -, que os homens se conduzem para conquistar a vitória. A vitória é buscada, mas deve ser obtida dentro da Lei.
Não seria essa efusiva celebração da Lei o que faz com que o futebol encontre no Brasil sua máxima expressão? Num país onde a Lei parece redundar eternamente em fracasso em suas mais diferentes dimensões, os homens bons parecem denunciá-lo ao encontrar no futebol o espaço para celebrá-la em toda sua plenitude e vigor. Isso pode ser uma fecunda indicação para nossos (poucos) políticos que almejam bem-estar social verdadeiro: criar projetos que mobilizem no sentido de ações sociais urgentes parte da energia posta em ação com tanto entusiasmo, quando se trata do jogo de futebol, pelos jogadores, times, torcidas. Pois estes, ao celebrarem periodicamente a Lei nos jogos, demonstram que sabem, ainda que inconscientemente, até onde se pode ir para se conseguir o que se deseja. E isto é a essência da Lei humana. E, por enquanto, algo que no Brasil é raro, a não ser nos domínios desse belo e exemplar esporte.
O poder Legislativo, ao fazer as leis, os juizes, ao aplicarem-na, os promotores, ao fiscalizarem a sua aplicação e os advogados, ao defenderem os sujeitos, deveriam igualmente tomar este exemplo do povo brasileiro e aprender com ele a celebrar a Lei cotidianamente.
Autor: Marco Antonio Coutinho Jorge, psicanalista.
1 Texto publicado, com pequenas modificações, sob o título "Efusiva e exemplar celebração da lei", no Caderno Eu &Fim de semana do Jornal Valor Econômico, São Paulo, 16 a 18 de junho de 2006, ano 6, nº 299, p.13; e parcialmente noJornal Panorama, Juiz de Fora, 9 de junho de 2006, ano 3, nº 893, p.2.
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