Perdi Paris. Não a Paris glamorosa dos anos vinte
que conheci nos livros da geração perdida que se encontrava com Gertrude Stein.
Tão pouco a Paris romântica das canções e dos filmes que a retrataram. Sinto uma
saudade de não tê-la conhecido antes. Para ser surpreendido como tantos da minha
geração que ficaram encantados. Não tive tal surpresa. De tanto sabê-la, lê-la,
vê-la sem ir, de tanto me contarem, senti como se tivesse vendo um filme que eu
já conhecia. Como ter que ver aquele filme, que tantos gostaram, para poder
discutir em condições de igualdade.
Le belle Paris estava lá. Uma cidade que
se anda a pé para admirar a história que é contada por sua arquitetura, seus
monumentos. Como se tudo de importante que existe no mundo tivesse que passar
por Paris para existir. Ela nos transmite isso. Les grands boulevards,
a Opéra de Paris, as ruas estreitas e cafés de Montmatre, a
Pigalle boêmia, suas brasseries; le petit
centre-ville encantador com Notre Dame. Os símbolos fortes:
Louvre e d’Orsay impondo Paris como a capital cultural do
mundo ocidental; a Sacré-Coeur, basílica feita pela direita reacionária
para espiar a culpa das almas que tiveram que matar na Comuna de Paris; o Arco do Triunfo lembrando o Império
Napoleônico e suas guerras de conquista; a Torre Eiffel, treliça de ferro, feio
monumento da linda cidade, que se tornou o símbolo mais conhecido do mundo. Guy
de Maupassant fez um piquenique debaixo da torre, em protesto, pois só ali
aquele trambolho não era visto na sua amada Paris. Mas com o tempo “quem ama o
feio bonito lhe parece” e hoje a torre é unanimidade. Achei-a bonita num dia de
chuva. Paris é bela sem defeitos.
Mas o francês, monsieur, está
uma pilha de nervos, très en colère,
com o espectro que ronda a Europa. Desta vez não é a ameaça de Marx no Manifesto
Comunista. São os ciganos, os árabes, indianos, argelinos, a Africa Negra, os
migrantes que ocupam Paris. E se culpam os migrantes pela crise em que estão
atolados, o protofascismo justifica o comportamento de direita que elegeu um
Sarcozy. A crise não resolvida trouxe Hollade da esquerda para a direita. Num
mundo globalizado os governos se diferenciam no discurso, na prática o arrocho é
igual. Hollande, obrigado a não fazer as reformas de esquerda que prometera,
piorou tirando mais direitos de franceses com taxa de desemprego lá em cima. Saí
na véspera em que Paris fez o primeiro protesto contra o governo eleito há pouco
com as esperanças socialistas. Na “farinha é pouca, meu pirão primeiro”
(farine peu, avant mon mush, s'il vous plaît) eu vi uma Paris nervosa e
xenófoba, quase fascista.
Mesmo na crise o governo incentiva os casais a
terem mais de um filho. Com subsídios oficiais do segundo rebento em diante.
Segundo as estatísticas, continuando a taxa de natalidade atual e permanecendo a
taxa de imigração (que tende a aumentar), em vinte e cinco anos teremos mais
árabes e ciganos do que franceses. Um desespero de tirar o fôlego de quem habita
o centro do mundo ocidental. Parece que os migrantes da África e do leste
europeu invadiram Paris como os nordestinos invadiram São Paulo (se um
descendente tentar a presidência, a Higienópolis gaulesa também não suportará).
Brasileiros tinham muitos visitando Paris, tantos
que eu me encontrei com alguns conhecidos. E, legítimo representante filho do
Piauí, me senti o último calango em Paris. Sem nenhum complexo de vira-lata
(le pauvre
chien le syndrome.
Oui, oui?).
ilustração luxuosa de Gervásio
Castro.
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