quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O livro do começo ao fim. Texto de Cora Ronai.




No feriado que passou, fiz uma coisa absolutamente inédita para mim: fui falar sobre livros no CCBB, tendo como companheiros de mesa os poetas Antonio Carlos Secchin e Eucanãa Ferraz. “Como assim, inédita?” perguntará aquele leitor ali do canto, o da memória excepcional. “Você já falou em não sei quantas bienais, e já escreveu incontáveis vezes sobre a experiência!” É verdade. Mas nem todo mundo que participa de debates em bienais do livro fala, necessariamente, de livros. Eu sou prova disso. Sempre que sou convidada, me pedem para falar sobre a emergência de kindles, ipads e toda a sorte de tablets, e sobre os dias contados do objeto em papel. Em suma, sobre o fim do livro. Eu entendo: chamam a colunista de tecnologia, que em tese só fala de coisas com circuito integrado ou no mínimo tomada.

Dessa vez, porém, a professora Clarisse Fukelman, curadora do festival literário que comemorou a reabertura da biblioteca do CCBB, lembrou-se de chamar a colunista do Segundo Caderno. Minha participação não estava ligada a nenhum dos gadgets que me circundam; eu só precisaria falar dos livros com que cresci. Fiquei radiante! Vou fazer outra confissão: adoro quando alguém diz que viu um gato ou uma capivara e se lembrou de mim. Vocês não imaginam a alegria que sinto ao ser associada aos bichos de que mais gosto. Pois acabo de descobrir uma alegria igual: ser associada aos livros. Não é que a Clarisse pensou em livros e se lembrou de mim? Baita elogio…

Gosto de saber das pessoas quais foram os livros que as influenciaram e que as fizeram ser como são, mas não consigo retribuir o favor. Nasci praticamente dentro de uma biblioteca, e aprendi a gostar de livros antes mesmo de aprender a ler. Os livros sempre fizeram parte da minha vida. Considero missão impossível destacar um ou outro.



Quase todas as paredes da sala do nosso apartamento no Bairro Peixoto eram cobertas pelas estantes com os livros do meu Pai. Minha Mãe, que também gosta de livro mas é arquiteta, e sempre sonhou com uma casa bem arrumada, ficava desesperada, e vivia inventando novas estantes para acomodar os livros que não paravam de chegar. A minha idéia de aconchego é um ambiente repleto de livros que não respeitam os espaços físicos que lhes foram destinados, espalhando-se por sofás, mesas e quaisquer outras superfícies horizontais, chão inclusive.

Quando eu ia às festas das minhas colegas de escola, estranhava as casas que não tinham livros. Algumas eram enormes, muito mais imponentes que a nossa, mas às vezes faltava-lhes o elemento essencial à denominação de lar. Coleções como o “Tesouro da juventude” não contavam. Eu precisava (e ainda preciso) de livros pessoais, individualmente adquiridos, para saber com quem estou falando. Preciso de estantes descabeladas.

o O o

As pessoas que gostam de livros têm um superpoder especial. Elas sabem descobrir espaços para estantes onde o resto da humanidade não vê nada. É que os livros se multiplicam muito mais do que as estantes, e sempre sobram pela casa.

Eles são como gatos. A diferença é que podemos (e devemos) castrar os gatos, ao passo que, num regime democrático, ainda não inventaram uma forma eficaz de castração de livros.

O leitor de livros digitais é a primeira tentativa que funciona. Pode-se aumentar à vontade o número de narrativas que ele contém, que ele ocupa sempre o mesmo espaço.


Para quem só está interessado em ler, esta é uma grande vantagem. A questão é que boa parte dos amantes de livros não quer apenas ler; quer também possuir e colecionar os objetos que contém as histórias. O livro não é só o que o autor escreveu. É o papel em que vem impresso, a tipologia, a mancha gráfica, a capa, o volume em si, a pegada.

Faço parte do time que, além de ler, aprecia o objeto. Não raro tenho dois exemplares do mesmo livro, o que li e o que, depois, me ganhou pela edição caprichada. Nem sempre posso me desfazer do primeiro exemplar porque, às vezes, ele tem valor sentimental ou histórico.

Agora mesmo, durante a mesa redonda do CCBB, descobri com meus colegas de papo que a “Apresentação da poesia brasileira”, de Manuel Bandeira, foi reeditada pela Cosacnaify em 2009. Não sei como não fiquei sabendo disso, mas vou correr atrás. Não conheço nenhuma antologia de poesia, brasileira ou não, que seja tão bem feita. O meu surradíssimo exemplar, uma edição da Ediouro que tenho desde menina e que está literalmente se desmanchando, tem dedicatória do autor. Parece lixo, mas é um rico tesouro.

o O o

Este domingo vou falar no “FIM do livro”, ao meio-dia. Não é tão grave quanto parece: é o “fim de semana do livro”, no Morro da Conceição. O FIM promete ser uma ótima festa celebrando a cultura carioca, com boa prosa e toda uma programação paralela. Confiram em fimdolivro.com.br — e, se puderem, apareçam!




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Um comentário:

J. disse...

livros, CCBB, Rio de Janeiro, gatos ...só imagens boas de se recordar.