domingo, 25 de abril de 2010

Depois o denso "O diário perdido".

Em Diário Perdido (Mères et Filles, 2009), Audrey, uma bem-sucedida desenhista de eletrodomésticos, tira férias de seu emprego no Canadá e retorna ao vilarejo francês à beira-mar onde nasceu para visitar sua família. Em uma interpretação muito entregue de Marina Hands (Lady Chatterley, O Escafandro e a Borboleta), a personagem parece retornar ao lar em busca de respostas, mas para isso precisa antes da coragem para se questionar.


Devido à relação conturbada que tem com a mãe, vivida por Catherine Deneuve, Audrey decide se hospedar na casa do falecido avô. Lá ela encontra um antigo caderno, mofado e manchado pelo tempo, que havia pertencido à sua avó Louise. A figura da avó sempre foi um mistério na família, a pessoa sobre quem não se fala, uma vez que citá-la inevitavelmente levantaria questionamentos sobre os motivos que a levaram a deixar a casa, o marido e os filhos repentinamente e nunca mais dar notícias.

Nas páginas do diário, entre receitas culinárias e anúncios dos anos 1950, Audrey começa a descobrir indícios que levaram à partida misteriosa de Louise. Descobre que a avó sentia-se insatisfeita em seu cotidiano de esposa e que a linda casa litorânea com cozinha de design arrojado era, para ela, uma prisão. No entanto, uma peça do quebra-cabeças não se encaixava: se planejava deixar o marido, por que Louise havia partido sem nenhum de seus pertences e, acima de tudo, sem o caderno, que escondia entre suas páginas uma grande quantia em dinheiro?

Desvendar o segredo da avó se entrelaça então aos dilemas de Audrey, afetando especialmente sua relação com a mãe. Martine se recusa a falar sobre sua própria mãe e deixa o recinto toda vez que o nome "Louise" é mencionado. É este triângulo de gerações que move a trama: Audrey sofre com a angústia da dúvida e o peso de uma grande decisão pendente, Martine com um segredo preso na garganta e Louise, que poderia ajudar nas respostas, partiu sem nem sequer dizer adeus.

É na condução dos atores que está o maior mérito da direção de Julie Lopes-Curval. Em uma narrativa essencialmente feminina, Marina Hands, Catherine Deneuve e Marie-Josée Croze, que interpreta Louise em vislumbres do passado, lidam com a angústia de ser mulher e, parafraseando Simone de Beauvoir, a busca de realizar-se como ser humano dentro da condição feminina.
No entanto, o filme passa longe do feminismo - até porque vivemos tempos demasiado despolitizados para tal discussão - e leva os dilemas da feminilidade para o interior do indivíduo. Neste aspecto, o título original Mères et Filles, que em português seria Mães e Filhas, parece muito mais adequado e universal. Colocando em pauta o conflito da mulher em conciliar suas ambições pessoais e profissionais ao papel biológico de seu gênero, o filme dialoga com todas as mulheres da platéia - simplesmente por contar a história daquelas três mulheres.

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