segunda-feira, 5 de abril de 2010

Umberto Eco explica porque não devemos contar com o fim dos livros, ou: a internet não te ensina a ser sábio, tsá?

O bom humor parece ser a principal característica do semiólogo, ensaísta e

escritor italiano Umberto Eco. Se não é a mais evidente. Ao pasmado visitante,
boquiaberto diante de sua coleção de 30 mil volumes guardados em seu
escritório/residência em Milão, ele tem duas respostas prontas quando é indagado
se leu toda aquela vastidão de papel. "Não. Esses livros são apenas os que devo
ler na semana que vem. Os que já li estão na Universidade" — é a sua preferida.
"Não li nenhum", começa a segunda. "Senão porque os guardaria?"
Na verdade, a coleção é maior, beira os 50 mil volumes, pois os demais estão em
outra casa, no interior da Itália. E é justamente tal paixão pela obra em papel que
convenceu Eco a aceitar o convite de um colega francês, Jean-Phillippe de Tonac,
para, ao lado de outro incorrigível bibliófilo, o escritor e roteirista Jean-Claude Carrière,
discutir a perenidade do livro tradicional. Foram esses encontros ("muito informais,
à beira da piscina e regados com bons uísques", informa Umberto Eco) que resultaram
em Não Contem Com o Fim do Livro, que a editora Record lança na segunda quinzena
de abril.

Qual a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme
biblioteca?
Eco: A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja
função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar — muito embora Jorge
Luis Borges, em seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade
de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino,
incapaz de selecionar o que interessa — é possível encontrar lá tanto a Bíblia como
Mein Kampf, de Hitler.

Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta.
Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine
então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele
capaz de escolher o site correto?
É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver
isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação
nos próximos anos.

(Texto & entrevista por Ubiratan Brasil no Caderno Sabático do Estadão:
13 de março de 2010) ズ

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