Como na final da Copa de 70, na morte de Lennon e no choque na Tamburello, vou lembrar para sempre de onde estava na última terça-feira.
"Você não está falando sério?", foi a única frase que consegui balbuciar antes de deixar meus joelhos cederem e cair sentada sobre a cama diante da TV ligada na CNN na reprise da entrevista à rede ABC, que mostrava o presidente dos Estados Unidos dizendo abertamente ser a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Meus olhos encheram de água e eu não consegui mais emitir um pio (milagres existem) enquanto tentava absorver a enormidade do acontecimento.
Mesmo para o país que se vangloria de exportar a liberdade como commodity, a gente não imaginaria uma declaração dessa monta da boca de um presidente. Nos últimos anos, os republicanos mais radicais tentaram apresentar leis que iam do direito de despedir gays por justa causa até expulsar filhos homossexuais de casa.
"Que coragem tem esse Obama!", pensei. A comentarista da CNN aventou a possibilidade de que o presidente estivesse tentando uma jogada eleitoreira.
Hmmm. Barack diz ter agido com base em princípios e não visando a eleição. Sua ficha corrida em relação aos gays parece comprovar o que diz. Apesar de ter esperado até esta semana para sair do armário (são quase quatro anos de mandato, mas, neste caso, parecem séculos), ele tem avançado as políticas em benefício dos homossexuais. Acabou com o "Don't ask, don't tell", a solução com desvio tipicamente clintoniano para lidar com a convivência entre gays e não gays nas casernas, assinou lei criminalizando a homofobia no país, concedeu direitos de visita a casais gays em hospitais, aboliu a proibição de portadores de HIV de viajar ao exterior, passou a reconhecer gays e casais gays nos dados do censo e expandiu a ajuda humanitária a gays nas ações internacionais.
Vamos ao que nos interessa. Todas as religiões têm de ser respeitadas, mas tanto nos EUA quanto no Brasil nós estamos falando de estados laicos. E, nos dias de hoje, o obscurantismo e a manipulação não colam mais nem mesmo nas ditaduras do Oriente Médio, que dirá em países onde há presidentes que personificam a superação do preconceito e do ódio.
De nossa Dilma, tão icônica quanto Obama, todos conhecem as convicções pessoais. E é por isso mesmo que nós não podemos mais aceitar que ela balance feito um joão-bobo em questões fundamentais como o aborto e os direitos dos homossexuais.
O prestígio atual e a história da presidente conferem a ela a obrigação moral de iniciar a conversa sobre esses temas cabeludos. Não dá para voltar atrás a cada cinco minutos ou calar porque ela não quer melindrar uma bancada à qual nem mesmo pertence. Ou será que a Dilma virou uma espécie de Pelé dos anos 70 e vai nos dizer que o país não está preparado para essa discussão? Nem o Pelé pensa mais esse tipo de coisa, ora bolas!
Quando será a hora certa então? Alô, dona Dilma! A senhora está esperando o quê?
Parece que no Brasil só existem dois assuntos: corrupção e economia. Economia e corrupção. E dane-se o resto. Daí chega a eleição e não sobrou tempo para mais nada.
Nos EUA, o presidente negro e idealista está fazendo os jovens gays andarem de cabeça erguida e os pais gays saírem à luz do dia. E a senhora, dona presidente mulher e ex-prisioneira política, vai começar a combater o preconceito quando?
Um comentário:
ótimo textooooooooo
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